Eu comecei esse artigo com literalmente um print que eu tirei do primeiro resultado da pesquisa das palavras-chave “doença do século” no google. Mas por que? Na última década a detecção e tratamento de doenças emocionais (vou usar esse termo, não sou psicólogo) alcançou níveis nunca antes vistos. Podemos teorizar que a depressão e seus companheiros (já chego neles) sempre estiveram aí, com nossos pais e avós e etc., no entanto nunca foi detectado, categorizado, tratado ou levado a sério. Na verdade, essa história não nos importa mais aqui.

O fato é que a depressão está aí e afeta milhares, se não milhões. Vai saber. Esse não é o foco. O que preciso definir é que junto da depressão vem a ansiedade e outros transtornos, e é aqui que vou definir o conceito mais importante deste artigo: O gatilho emocional.

O que é um gatilho?

Novamente recorro ao google, ele é excelente em definir de forma sucinta conceitos simples:

1.na arma de fogo, pequena peça do fecho que, quando puxada, faz disparar o tiro; disparador

2. peça de metal que, num mecanismo, trabalha como uma alavanca.

De forma análoga, o gatilho disparo emocional dispara os mecanismos depressivos, de ansiedade e de quaisquer outras doenças emocionais que uma pessoa tenha. Esses gatilhos podem ser disparados por qualquer evento, imagem ou narração. Uma pequena lista ilustrativa de possíveis gatilhos é:

• Abusos físicos ou psicológicos contra o personagem do jogador.
• Descrição de violência detalhada.
• Aranhas.

Note que todos esses exemplos vão de conceitos a até imagens, tanto simples como complexos. Na realidade qualquer coisa pode agir como um gatilho para os jogadores ou mestres nas mesas de RPG, os que eu listei foram apenas os que eu observei no meu círculo de jogadores. O pior é que nunca sabemos quais gatilhos um jogador tem. Nas palavras de um mestre das antigas: “As vezes parece como andar em ovos”.

Mas vou mais longe. Todos possuímos essas armas miradas para nossos traumas e nós nunca sabemos quando alguém vai puxar o gatilho.

Como uma boa história é contada por um narrador introduzindo conflitos para nossos protagonistas superarem ou sucumbirem, o narrador corre um grave risco de ativar um desses gatilhos, logo vou apresentar aqui 3 ferramentas para serem introduzidas em suas mesas de RPG.

Carta X (X-Card)

A mais simples ferramenta que vos apresentarei e a que particularmente mais gosto. Implemento ela em minhas mesas e apesar de nunca ter sido usada até hoje, gosto de tê-la por perto. Então o que ela é? Simplesmente é uma carta com um X desenhado no meio. Cada jogador pode ter uma ou pode ser deixada em cima da mesa. Para VTTs, o Foundry possui um módulo muito simples e responsivo implementado e sei que o Roll20 possui um pacote também possui algo similar (aqui). Quando um jogador toca, pega ou mostra a Carta X, o narrador para o que quer que estiver narrando e avança para a próxima parte. Sem nenhuma pergunta por parte de ninguém. Simples assim.

Linhas e Véus (Lines and Veils)

Mesas recentes que participei requeriam que eu preenchesse um questionário contendo vários tópicos que são gatilhos comuns e descrever qual meu nível de tolerância em relação a eles antes da campanha. Minha opinião? Muito trabalhoso. A ferramenta de Linhas e Véus simplifica e padroniza esse tipo de questionário. Na seção “Linhas” o jogador coloca tópicos que não devem aparecer na campanha e fim. Enquanto que na seção “Véus” o jogador coloca os temas que são toleráveis, mas que devem acontecer fora de cena ou com mínima descrição possível. Linhas e Véus é uma excelente ferramenta para o começo de uma campanha, mas nada impede que possa ser revisitada pelos jogadores de tempos em tempos.

Estrelas e Desejos (Stars and Wishes)

Essa ferramenta foi aprimorada de outras por jogadores e escritores da comunidade The Gauntlet. Em suma, é uma forma de feedback com segurança e foco na positividade. Novamente, creio que muitos já tenham feito algo parecido no final de suas sessões, esta é apenas a formalização do processo na forma de ferramenta. Então o que ela é? No final de cada uma das sessões, o grupo se reúne e aqueles que quiserem podem “dar” estrelas para outros jogos por bom roleplays, táticas em combate, comportamento exemplar ou qualquer outro motivo, ao mesmo tempo que podem fazer desejos sobre o que gostariam de ver nas próximas sessões. Essencialmente é uma forma de premiar a boa conduta e dedicação e apontar o que precisa melhorar na mesa sem antagonizar ninguém.

Para os jogadores, um recado

Neste pequeno artigo, mostrei algumas ferramentas que os mestres e narradores do nosso Brasilzão (e talvez Portugal e Angola também, quem sabe?) para deixar a mesa mais confortável e segura para os seus jogadores. O objetivo sempre é se divertir, nunca causar um ataque de ansiedade. Mas esse é um esforço conjunto. Não adianta somente o narrador tomar as precauções necessárias, no final da corrente está você, meu caro jogador. Mas tem uma coisa que quero que faça: Não deixe sua segurança sempre nas mãos dos outros.

Eu quero que você seja o mais bem tratado possível em suas mesas, que seus medos, traumas e doenças não te ataquem. Quero que no final de cada sessão você saia melhor do que quando entrou.

No fim, quero que você melhore. Pode não ser hoje, pode não ser amanhã. Leve o tempo que levar.

Se cuide <3