Afogados e Condenados – Cascata de Estrelas
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Capítulo 11
Afogados e Condenados
Nossos gritos por ajuda, socos contra a porta, nados até o teto da caverna foram inúteis. Em minutos, estávamos completamente imersos sem ter para onde ir. Não dava para ver nada também, foi por milagre que desviávamos das pontas das estalactites que vinham na nossa direção. Quase um minuto debaixo d’água, meus pulmões já cediam. De olhos fechados, eu só ouvia o silêncio e o balanço do líquido salgado que nos tomava nos braços e nos carregava na direção da morte.
Com oito anos, eu tinha aula de pintura particulares com meu pai enquanto ouvia minha mãe cantarolar e bordar perto da porta do ateliê. Ele jurava que eu seria um gênio da arte como minha irmã se mostrou ser anos depois de mim. Depois de tanto tempo, pela primeira vez, tive uma inspiração para uma pintura: usaria tintas de tons pretos, cinzas e azuis mais escuros… e vermelho. Um vermelho que pulsava como uma dor atrás dos olhos. Faria em movimentos circulares como redemoinhos, contrastados com linhas brancas para mostrar a espuma da água salgada. Nada. Foram longos minutos de absolutamente nada.
– Thommy…
– Eu…?
– É, você. Quem resolveu conversar comigo pela primeira vez em centenas de anos.
– Centenas? Estive aqui só por… Bom, não sei bem na verdade.
– O tempo é bem relativo aqui dentro.
– E quem é você?
– Não posso te dar meu nome…
– Sim, claro. … Mas por que conversar comigo?
– Porque você mesmo disse que faria qualquer coisa para sobreviver. E eu cedi. Na esperança de que você pudesse me ajudar, é claro.
– Você… era aquelas coisas que me puxaram para o nada?
– Eu sou tudo o que dá vida a esse lugar. E eu posso dar a vida de vocês de volta também. Mas você vai ter que me ajudar.
– … Olha, quando eu disse “qualquer coisa”, eu estava numa situação de vida ou morte.
– Agora, você só está morrendo. Entendo.
– Tá, me convenceu. O que você quer?
Num instante, senti meu coração batendo em meu peito no ritmo normal. O sentimento de dever voltou para mim como uma enxurrada de força e eu abri meus olhos em busca do que aquilo me disse para procurar. E deu certo. Uma vazão se abriu na escuridão e nos puxou para outro lugar ainda mais nas profundezas. Demorou para que eu retomasse a força de meu corpo, para parar de formigar e voltar a me mexer. Eu tossia um tanto que doía o peito. Tentava me sentar em vão pelo chão escorregadio. Quando levantei o olhar, aquela criatura enorme, pálida e sem rosto, de quatro braços, agarrava nossos calcanhares. Arthur e Lea ainda apagados. Eu não consegui lutar. Só aceitei que realmente estaria preso numa estaca ou decapitado em pouco tempo.
Mas por que não nos deixar morrer ali afogados? Minha visão foi turvando até eu apagar completamente.
Acordei com uma dor de cabeça dilacerante, ainda sofrendo com os sonhos repetitivos da voz que conversava comigo no vazio. O diálogo, em sua maioria se repetia, mas tinha algo que faltava nele… Que não vem ao caso. Agora, estava vendo que voltara para o hotel de alguma forma. O hall se formava ao nosso redor como se fosse ainda maior. As velas iluminavam porcamente o ambiente e eu conseguia ver uma silhueta que se colocava sentada próxima de mim, imóvel. Os outros eram visíveis mais distantes, mas Arthur estava bem ali. Me sentei devagar e estendi minha mão na direção dele. Num movimento rápido, ele agarrou minha mão e se jogou por cima de mim, com as mãos apertadas em meu pescoço.
– O QUE FOI QUE VOCÊ FEZ?
– Eu… não… o que…
– Ah, meu Deus, Arthur… Arthur! – os outros se aproximavam, George e Charlotte o puxavam para longe de mim em vão – Pare! Vai acabar matando ele!
– ELE MERECE! Ou vocês acham que não? Olhem em volta, tudo o que está acontecendo, e ele sempre sai ileso! É TUDO CULPA SUA, KRONNER!
– Você também tá aqui, ileso, e ninguém questionou isso! Pare imediatamente, Arthur! – George falava rouco, mas ríspido – Vamos! Retome o senso!
– Me soltem, eu vou acabar com esse idiota! – Arthur se mexia sem me largar quando eu vi um brilho sobre nós e algo que descia em sua direção.
Todos suspiraram exasperados quando Cameron bateu em Arthur com guarda-chuva forte o suficiente para ele grunhir e me largar. George me puxou arrastado para longe de novo. Era sempre ele quem, por fim, me ajudava. Me ajudou a sentar e me deu um pouco de água para suavizar a garganta. Arthur se levantou com os gêmeos e os três passaram minutos batendo boca, reclamando do que quer que estivesse acontecendo. Eu demorei para perceber que eles apontavam para uma direção durante a discussão e desviei o olhar para observar o que era.
Algo se fechou no meu estômago. Eu levantei devagar com a respiração travada e caminhei na direção dela meio trêmulo. Pálida, com os olhos abertos, mas serenos. A boca entreaberta em silêncio. Lá, deitada, parada como uma estátua. As roupas e o cabelo ainda úmidos. E um pensamento me enojava ainda mais: “tarde demais, Thomas. Tarde demais.”
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