Contos

As Portas do Inferno – Cascata de Estrelas

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Capítulo 09

As Portas do Inferno


Foi difícil de levantar com todos caídos, um em cima do outro. A porta tentava se abrir, mas dava para sentir o compartimento do elevador tombado de lado. Demos nosso melhor para não entrar em pânico, mesmo que os gêmeos já estivessem gritando em desespero por alguma ajuda. Só conseguimos abrir uma fresta para passarmos todos depois de muito trabalho árduo e nos arrastamos para fora num alívio fingido. Estávamos no segundo subsolo, o andar que só podia ser acessado por uma chave no painel do elevador. As escadas nem chegavam perto desse lugar. Estava escuro, conseguíamos ouvir uma goteira e ver pouco ao nosso redor por conta de uma luz vermelha que piscava vez ou outra.

Lea não conseguia se levantar e Arthur concluiu que ela quebrou ou torceu alguma coisa. Eu não consegui prestar atenção na conversa. Estava entretido demais observando alguém que nos observava de volta numa extremidade do corredor. Estava boquiaberto, a respiração lenta e trêmula, dava para ver o vapor saindo da minha boca de tão espesso que o ar estava. Não conseguia sentir meu corpo direito, como se não estivesse presente ali.

– Olivia…? – George perguntou sussurrando do meu lado. De alguma forma, aquilo incentivou quem quer que fosse a caminhar em nossa direção. Eu pisquei a primeira vez e ouvi gritos. Na segunda vez, meus olhos não abriam mais.

Num sonho nítido, eu me via de volta em casa, tratando de meu pai quando ele já estava nas últimas. Num pulo, ele sentou na cama, arrancou todos os tubos de si e, derramando sangue por tudo, ele gritava um grito silencioso em minha direção. Como se me avisasse. No instante seguinte, eu estava me afogando no que quer que tenha inundado o quarto até eu começar a tossir e finalmente acordar. Estava numa cama muito parecida com a dos quartos, mas não estava em quarto nenhum. Era tudo de cimento sem ser revestido, um ar úmido e mofado, um espaço mal iluminado por velas quase no fim. E um murmurinho como um choro, um soluçar abafado.

– Tem alguém acordado? – a voz trêmula e chorosa era de Lea, não muito longe de mim – Por favor… Tenha alguém acordado… Por favor…

– Lea? – perguntei baixinho – O que aconteceu?

– Thomas? Graças a Deus… – deu para ouvir o alívio na voz dela – Eu não sei o que houve, mas eu não consigo me mexer.

– Tá, calma. – me coloquei de pé num movimento e fui andando a passos leves até as velas. Procurando ao redor, achei um lampião antigo, mas com óleo suficiente para iluminar a sala toda.

– Mas que merda… – ela olhava em volta com uma expressão totalmente confusa – Como a gente veio parar aqui?

– A pergunta é: como a gente apagou do nada e veio parar aqui? – Arthur se levantava de outra cama afastada de nós – Só estamos em três?

– Vocês também tiveram a sensação de não estar no próprio corpo? – Lea disse envolvendo meu pescoço com seu braço. Fomos caminhando até o médico.

– Eu não prestei atenção… – disse observando os dois se entenderem com a perna dela – Tinha algo no fundo do corredor um tanto mais intrigante na hora.

– Tá ficando difícil acreditar em você. – se ele estivesse me olhando, tinha cuspido na minha cara.

– Que bom que a gente concorda. – senti os cabelos da nuca ouriçarem.

– Para, por favor, vocês… – Lea suplicava ainda chorosa – Só me ajuda aqui para a gente poder ir embora de uma vez.

Arthur imobilizou a perna dela e serviu de apoio, resmungando que eu devia ir na frente com o lampião para iluminar o caminho. Passamos pela porta para encontrar mais daqueles corredores frios e sem cor alguma. Depois de algumas bifurcações, já cansados, paramos para considerar nossos passos. Andávamos em círculos. Nem se déssemos a volta por onde viemos, voltaríamos para o quarto de onde saímos inicialmente. Aquilo já estava tomando demais de nós quando ouvimos passos lentos de um dos corredores por perto.

Pensamos igual, porque ninguém chamou nome algum. Só ficamos ali parados como estátuas, quase que sem respirar, na espreita de ver se era algum rosto familiar ou se era a deixa para correr de vez. Arthur já até posicionava suas mãos atrás dos joelhos de Lea. Uma pausa de silêncio se dava a cada passo arrastado até que finalmente conseguimos enxergar a figura de quase três metros, alguns braços, pálida caminhando tranquilamente há uns cinco metros de nós. Arrastando alguém de roupas conhecidas. Não pareceu ter nos visto de qualquer forma pois, continuou seu caminho lenta e pesadamente. Depois de retomar o fôlego, concordamos que melhor seria seguir a criatura. Já não sabíamos onde os corredores dariam de qualquer forma. Depois de segui-la, observando seus passos, finalmente reconhecemos quem tinha o corpo arrastado pelo cimento firme: era Olivia.            

Peço desculpas pela falta de descrição do momento, mas seu braço arrastado tampava boa parte da cena. Não conseguia nem ver seus cabelos e a luz do lampião era fraca demais para ajudar com qualquer coisa. Esperamos a coisa se afastar o suficiente para andarmos sem sermos notados, mas alguns passos a frente, nos deparamos com uma porta. E não era qualquer porta. Era uma daquelas portas metálicas, robustas, com travas como de navios e submarinos. Fora de condições físicas, tomei Lea nos braços e quem abriu as travas e a empurrou foi Arthur. Agora sim estávamos chegando a algum lugar.


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