Contos

Beach Tenby Inn – Cascata de Estrelas


Capítulo 01

Beach Tenby Inn.


O som expandia trêmulo na minha direção. Era uma sensação engraçada, estar parado ali na estação em meio a tantas pessoas sem conseguir sentir meu próprio corpo. É como se eu só assistisse meu corpo de uma aura mais acima, vendo-o olhar intrigado para os lados quando algo me chama a atenção. Gritos? Murmurinhos, falas apressadas… Meus pés estão pesados, a força para tirá-los do chão e ir até o foco da confusão é descomunal. Quando chego, parece que se passaram horas, caminhei quilômetros… mas era há três passos de mim. Não havia ninguém ao redor. Só eu e um homem… Não, uma mulher. Não também, é… Eu não sei quem é, mas está lá com os pés encaixados na beirada da plataforma prestes a pular. Eu grito, estendo as mãos para segurá-la, mas o único som que ecoa no ambiente é o apito do trem que se aproxima.

Ela vira, mas apenas o pescoço, para olhar para mim. O que me olha são um par de buracos profundos que me fazem arrepiar até a ponta dos dedos do pé. O apito do trem se molda em um grito estridente que dói os tímpanos e aquele corpo pula contra a máquina que passa a toda velocidade. Sinto algo respingar na minha cara, mas antes que eu possa perceber o que é, meus olhos se fecham. E, num instante, se abrem de novo.

– Eu… Voltei. – minha respiração pesada, meu corpo colado de suor aos lençóis, minha visão ainda turva – Caramba, o que foi aquilo?

Me sento na cama colocando o rosto entre as mãos. Mesmo me esforçando para lembrar, não consigo reconstruir o que acabei de ver nos meus sonhos. Era tão real. Me levanto devagar indo para o banheiro para lavar o rosto pensando se eu deveria escrever sobre isso. Se eu conseguisse, mas algo me empurra de volta toda vez que eu me concentro. Droga. Não dá pra insistir em algo inútil, eu acho. Ouço toques na porta quando visto o robe por cima do pijama e me aproximo para abrir.

– Bom dia, senhor. – um garçom está parado no corredor levando um carrinho de mão com alguns pratos embalados em cima – Eu trouxe o café-da-manhã.

– Ah… – coço a sobrancelha um tanto confuso colocando meus óculos em seguida – Eu jurava que as refeições eram feitas no salão…

– E são, senhor. Mas o café é cortesia da hospedagem para que você não precise sair do seu conforto essa hora da manhã. – consigo ouvir ele trincar os dentes.

– Claro, faz todo sentido. – abro o resto da porta e estendo os braços – Eu aceito a cortesia e agradeço.

Ele puxa um prato com o meu nome na embalagem e me entrega gentilmente forçando um sorriso. Com uma breve reverência, ele volta a correr o carrinho e some pelos longos corredores de carpete avermelhado. “Talvez ele se incomode com a bagunça?”, penso olhando para a única mesa do quarto coberta de papéis o suficiente para cobrir também meu notebook. O café teve que ficar na cama enquanto eu dava uma organizada para conseguir comer. Agora, sentado na cadeira encarando a vista das ondas batendo nas pedras e escorregando para cima da areia diante do sol cinzento, minha maior surpresa foi abrir a embalagem. Só tinha poucos das minhas comidas favoritas.

“O mundo está estranho, mas isso? Deve ser uma coincidência… Bom, os outros hóspedes estão com sorte.”, comi tudo com gosto agora pesquisando na rede por notícias sobre o estado caótico da Inglaterra. Para te informar, o que era para ser uma mera temporada de chuvas e dias nublados se tornou algo que isolou a Grã-Bretanha do resto do mundo. Com algumas semanas chuvosas, as pessoas já estavam alegando ver luzes amarelo neon descendo do céu e escorrendo pelas correntezas das enchentes, ouvir chamados de pessoas em lugares que não existiam e algumas até começaram a atentar suicídio de forma brutal em público. É, um tanto desesperador, mas eu vi como uma oportunidade.

Foi na décima segunda semana cinzenta, depois de muito sofrer por um bloqueio criativo, que eu recebi um cartão postal sem remetente com uma bela paisagem que muito me atraiu. Beach Tenby Inn, um hotel à beira mar e, para a minha sorte, um belo convite escrito a mão para me hospedar por lá até o fim do surto. Cheguei há quatro dias. O lugar é lindo, a vista é de tirar o fôlego, mas eu tenho tido os sonhos mais bizarros desde que cheguei. Todos repetidos, os mesmos rostos, os mesmos eventos, as mesmas vozes. Não estou falando isso para enriquecer o enredo, eu juro. Os murmúrios que me avisam sobre algo que está para acontecer, que eu preciso ficar para ver o show, e os gritos desesperados que, ao longe, me suplicam para que eu vá embora. Eu sou uma alma curiosa e criativa, não à toa sou escritor de ficção científica. Nunca disse que sou bom no que faço, você provavelmente não vai encontrar minhas publicações no top best selling, mas eu gosto do meu trabalho. Não vou embora até entender tudo o que se passa, principalmente agora que tenho uma forte impressão de que os eventos do país todo têm suas respostas dentro dessas paredes. Vem comigo, eu vou te contar o porquê.


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