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Em defesa do advogado de regras

Minha última postagem aqui no blog foi em defesa do jogador combeiro. Pensando um pouquinho sobre aquele texto, percebi que existe um outro tipo de jogador que, injustamente, não costumam gostar muito: o advogado de regras. E sendo eu advogado de leis reais e também de regras, nada mais justo, então, que eu vir aqui e defender a classe! Dessa forma, hoje escrevo em defesa do advogado de regras!

O que é o advogado de regras?

Arte de Dmitry Burmak para a carta Advogado de Regras, de Magic: the Gathering. Ele capturou bem o espírito da coisa!

Ele é alguém que parece ter um prazer sádico em jogar as regras do jogo na cara dos outros jogadores, especialmente tentando inviabilizar alguma ação do mestre ou outro jogador. Sabe a mãe “chata” que diz “não” pra tudo que a criança pede? O jogador de Magic: the Gathering que joga de deck azul ou de destruição de terreno (como eu, que tem os dois decks)? É por aí…

O advogado de regras basicamente gosta de esbanjar conhecimento sobre o sistema em jogo e costuma ver mais propósito nas regras do que na narrativa. A graça para ele é “manjar dos paranauês”, saber o que fazer o tempo todo. Os mais casca grossa paralisam o jogo, abrem o livro e começam a discutir as regras com o mestre, exigindo que sejam aplicadas literalmente como estão escritas.

Você já deve ter encontrado algum jogador assim, seja lá qual sistema estivesse jogando. Se sim, provavelmente não gostou dessa postura, principalmente se foi o mestre. Mas vou te dizer que se você se sentiu assim, foi porque não soube aproveitar esse tipo de jogador. E em defesa do advogado de regras, vou dizer por que você deve deixar de odiá-lo!

Pode esquecer das regras

Isso é meio óbvio, mas as pessoas esquecem que o advogado de regras é chato porque conhece elas profundamente. Sendo assim, qualquer suporte que precisar, recorra a ele.

Mas mais importante do que uma facilidade, ter um advogado de regras na mesa quando se está narrando lhe garante algo particularmente interessante: você ganha o artifício da validação. Quando uma regra prejudica um ou mais jogadores e o advogado de regras é um dos que se atenta isso, não é preciso dar o argumento do “eu sou o mestre” – todos simplesmente aceitam.

Claro, estou contando aqui que o advogado de regras vá lembrar de uma regra que desfavorece o grupo. Mas provavelmente ele vai, se for um verdadeiro advogado de regras chato eu aposto que vai. Sabe por quê?

São jogadores que prezam pela justiça

Eu acho que, assim como a nossa Constituição diz que “o advogado é indispensável à administração da justiça”, o mesmo deveriam fazer os livros de RPG. O advogado de regras não é chato somente por ser chato. Ele faz o que faz porque tem convicção de que se aplicadas as regras do sistema ao pé da letra, tanto para jogadores quanto para o narrador, o jogo se torna justo.

Arte do clássico ilustrador de Magic: the Gathering e quadrinista Kev Walker!

Sob esse ponto de vista, o advogado de regras é o oposto do combeiro. Enquanto o combeiro tenta achar a falha no sistema que permite ele ficar muito mais forte que os demais jogadores, o advogado de regras quer garantir que todos estejam em pé de igualdade.

Consequentemente, os advogados de regras também são jogadores que raramente roubam. Eles contam todos os pontos de vida, as flechas e as balas, garantem que os pontos de perícia foram calculados corretamente e nunca mentem sobre o resultado dos dados. E acreditem, muito pior do que ter um jogador inconveniente por gostar mais das regras do que da narrativa é ter um trapaceiro.

São um termômetro do jogo

Aqui temos um aspecto que é a junção dos outros dois. Se o advogado de regras conhece tão bem o sistema e é justo, ele será um ótimo termômetro para dizer se os desafios do jogo estão fracos ou fortes demais. E ainda é possível ele saber o porquê disso e ajudar a resolver a situação.

Seja você um jogador ou o mestre, procure pelo seu advogado de regras depois do jogo e tente ver com ele o motivo de a sessão ter sido um massacre ou um passeio no parque. Pode ser que os jogadores estejam se esquecendo de habilidades de seus personagens ou as utilizando de modo errado. Talvez o mestre não esteja compreendendo a melhor forma de calcular desafios ou sendo pouco criativo com as regras do sistema.

O advogado de regras possivelmente terá resposta para todos esses problemas! Ele estudou o sistema de jogo, dedicou seu tempo para isso. Acredito até que alguns podem gostar mais de discutir possibilidades do que jogar em si.

Um recado final, agora para os advogados de regras

Queridos colegas, todo meu esforço aqui valerá de nada se vocês não fizerem a parte de vocês. Que parte seria essa? Entenderem que no RPG as regras não são um limite, mas apenas um meio de calcular uma probabilidade.

Reconhecer isso significa admitir que absolutamente nada é impossível no jogo segundo as regras do sistema, o que limita os personagens é a narrativa. Meu personagem pode simplesmente sair voando da cena? Depende, num cenário de alta fantasia talvez, num realista contemporâneo, provavelmente não. Viu como não foi o sistema que previu uma regra para dar essa resposta?

Além disso, não é porque o sistema não previu uma regra “como voar” que um personagem não possa fazer isso. Se narrativamente for coerente, é função do mestre achar uma forma de aplicar alguma regra já prevista no sistema para fazer aquele personagem ter a possibilidade de voar. Aproveite e ajude-o, vocês manjam do sistema! Então, mudem suas perspectivas de vista quanto às regras do RPG, elas não estão lá pra falar “não”, estão lá pra falar “como”.

É exatamente assim que eu vejo um advogado de regras! Arte de Hugh Pindur.

Regras da casa

Outro ponto sensível para vocês costumam ser as house rules, as regras da casa, aquelas que não estão nos livros, mas que os jogadores e mestre aplicam na mesa. Pois bem, não tem problema nenhum nisso.

Já no primeiro semestre da faculdade de Direito aprendemos que uma das fontes primárias do Direito é o costume. Isso significa que aquele argumento do “todo mundo faz” pode, eventualmente, pesar em uma decisão ou mesmo virar lei – regra, portanto. Se é assim na vida, por que não seria no RPG também?

Mas repare que para isso acontecer, todos precisam saber do costume antes. Logo, se existe uma house rule, ela precisa ser conhecida antes do jogo. Porém lembre-se que nem sempre todos conhecem profundamente as regras como vocês ou estão tão acostumados a ignorá-las que esquecem como são de verdade, achando que o que “todo mundo faz” é a regra de fato. Respeitem isso e deixem para discutir alguma regra, da casa ou mesmo do livro, depois do jogo, não durante. Encarem isso como o procedimento correto para recorrer de uma decisão do mestre ou do grupo. E sabe o que acontece com recursos que não respeitam à risca um procedimento? Não são analisados pelo Tribunal… pensem nisso!