Jogador sanguinário, Mestre frustrado
Coloque um jogador sanguinário numa mesa de RPG e verá um mestre frustrado. Assim começa o derramamento de sangue e os NPCs tão queridos do mestre ou até mesmo os combates elaborados são destruídos. O jogador que só quer atacar tem o poder de arruinar os planos incríveis do mestre.
Não importa se você é um bárbaro do caminho do berseker, um soldado assassino ou até mesmo um mago tiefling fascinado por bola de fogo. Até mesmo as classes mais brutas demandam estratégia e interpretação.
Aliás, se você for um mestre de RPG de D&D, leitura obrigatória é o livro do Keith Ammann: Os monstros sabem o que estão fazendo. Onde o autor explica como os diversos monstros de D&D se comportam de maneira real, trazendo até o fundo de história da criatura. Assim, você entende como ela anda em grupo (ou não) e como ela reage em determinados ambientes.
Salvando o Jogador Sanguinário
Eu sempre fiquei muito frustrado com jogadores que queriam arrancar a cabeça de cada ser humano que vissem pela frente. Assim, eles andavam e queriam uma informação, matavam. Queriam uma recompensa matavam. Não há um real problema em matar, desde que faça parte da história de seu personagem.
Com o tempo fui ficando um pouco mais esperto e pensei: será que eu preciso falar com o jogador (ou jogadores), ou eu posso trazer uma forma mais inteligente de salvar o personagem, os outros jogadores e a história?
Depois de testar um pouco algumas versões, encontrei alguns jeitos interessantes do jogador sanguinário aquietar-se e começar a ser mais estratégico e interpretativo. Você quer saber? Continue lendo.
Hoje eu trago três estratégias interessantes para você testar caso tenha esse tipo de jogador na sua mesa também.
Entendendo a mente de sangue
A primeira coisa que você precisa é entender a mente do jogador. Aquele momento é de prazer, diversão, e, principalmente, de descompressão para esse tipo de player. Portanto, às vezes ele irá usar alguns elementos para aliviar sua tensão e como sabemos, isso é benéfico para nós. A imaginação tem um poder enorme sobre nós e ajuda a liberar essas emoções reprimidas.
Além disso, entenda que todos os jogadores são incrivelmente inteligentes e capazes de bolar estratégias e de interpretar. Alguns podem optar por não fazer isso, por ainda sentirem vergonha ou timidez, mas você como mestre de RPG, tem que criar um espaço seguro para o jogo acontecer. A gente fala disso na Academia de Mestres de RPG aqui da Nuckturp.
Porém, seu papel como mestre é trazer um nível de veracidade e conexão para a mesa. Por isso, se todos os jogadores quiserem uma mesa estilo Hack & Slash, você pode criar uma masmorra e deixa eles irem evoluindo nos combates, mas se quiserem viver uma história, talvez não seja essa a melhor opção.
Estratégias anti-sangue
Compartilho aqui com você as minhas estratégias que possuem apenas uma função, fazer o jogador repensar as atitudes de seus personagens. Uma delas talvez tenha um preço alto e o jogador fique irritado, porém lembre-se que a irritação dele é dele com ele mesmo. Sua função como mestre, mais uma vez, é ajudá-lo a entender que foram suas ações que trouxeram consequências. Assim no jogo como na vida.
Muito sangue chama muita atenção
Não importa se o jogador está matando centenas de monstros ou NPCs no meio do vilarejo. Corpos empilhados em qualquer lugar chamam atenção. Monstros assassinados em excesso criam um desequilíbrio biológico na região e morte em excesso em vilas e cidades, mexem com o comércio e a econômia.
Vamos de monstros primeiro
Se o jogador só quer matar monstros e não é um jogo Hack & Slash, talvez você queira começar a trazer outros elementos mais poderosos para a conversa. Por exemplo, você pode colocar uma criatura maior, um desafio que o grupo não conseguirá resolver tão fácil. Aliás, é bem provável que não consigam e a melhor opção é fugir. Talvez, trazer a informação de que as criaturas que morreram serviam de alimento para essa grandiosa criatura (ou grupo de criaturas menores em grande número), e agora essa criatura precisa sair para comer. Ela está caçando!
Agora, matando NPCs
Se o jogador quer matar o taverneiro, o filho do taverneiro, o jardineiro, o mendigo, todos os guardas e etc. Temos um problema! Ele pode matar, mas o que acontece? Isso muda a economia da cidade, isso muda a sensação de segurança das pessoas e o que acontece? Eles começam a criar um grupo de caça ao assassino, ou então chamam uma guilda de guerreiros para fazer busca e apreensão, ou busca e morte mesmo.
Com essas saídas, agora o personagem está em perigo constante até a poeira baixar (se baixar). Assim, ele começa a repensar e o próprio grupo irá dizer para o jogador que ele tem que “acalmar” o ânimo.
Os desafios aumentam
Conforme o jogador sanguinário vai avançado pelo mundo e matando todos a sua volta, você, como mestre, pode aumentar os níveis de dificuldade e criar desafios maiores para que o jogador repense sua estratégia e possa até se arrepender no meio do caminho dela.
Ao atacar o taverneiro, por exemplo, ele pode descobrir ao final do primeiro golpe que uma tropa de soldados passavam bem na frente naquele momento. Você pode até rolar um dado para calcular quantos eram! Isso pode inclusive começar a manchar a reputação do personagem, deixando mais difícil de conseguir o que querem com outros NPCs.
Comece a criar situações mais desafiadores todas as vezes que o jogador disser: “Eu ataco!”. Dessa maneira, ao começar os combates, você está se divertindo criando mais situações e você vai se divertir com o que for enfiando no combate.
Chega uma hora que é seu próprio sangue derramado
A última opção é o reset do personagem e para isso, às vezes será necessário criar uma situação de vida e morte. Portanto se prepare para uma situação onde o jogador ficará frustrado, mas é necessário para ele entender que a morte chega.
Em uma mesa que eu mestrava que rolou um TPK, as decisões dos jogadores naquele dia foram tão, tão ruins… e uma em seguida da outra. Que não tinha opção. Imagine um grupo que abriu um aquário de sereias canibais assassinas e inundaram a própria sala e ao invés de fugir, foram para o lado da parede para tentar sobreviver. A água subiu e a cada turno um a um foi caindo enquanto as sereias se alimentavam. Acontece!
Portanto, o grande segredo dessa estratégia é fazer o jogador sanguinário entender que é tudo resultado de decisões e dos dados, óbvio! Assim, ele não transferirá a culpa para o mestre e poderá criar um novo personagem para a mesa, talvez menos letal.
Jogador sanguinário abençoado
Com essas estratégias, você pode ajudar o jogador sanguinário a pensar em estratégias, elementos e ideias que o ajudarão a crescer como jogador. Assim, elevando seu nível de maturidade e consciência.
Para isso, você precisa entender que o mestre de RPG é o líder da diversão, ele que organiza, planeja e ambienta toda a história. Porém, é entendendo um pouco do comportamento humano que a gente consegue ser parceiro dos nossos jogadores e ajudando-os a entenderem que toda ação gera uma consequência.
Como diz a famosa frase – Não temos culpa de nada, mas somos a causa de tudo!
Essa é a mensagem que o RPG pode deixar em nossas vidas. Analisar nossas ações com carinho, pois tudo o que fazemos (e não fazemos) tem consequências. Não é verdade?