Mestrando RPG para Crianças
Mestrar RPG para crianças é uma atividade super divertida, lúdica e que ajuda a desenvolver várias habilidades dos pequenos. Aqui na Nuckturp a gente acredita (e muito) no poder transformador do jogo de RPG em todas as idades. Porém, uma das mais preciosas é com as crianças!
O mundo fértil e imaginativo do mundo das crianças traz um grande poder ao RPG de mesa e incrível diversão ao mestre. Porém, chamar essas crianças para jogar RPG pode ser um grande desafio.
A gente entende que alguns são mais tímidos e não querem se expor. Portanto, temos que ajudá-las a se introduzirem no jogo e se abrirem. A gente tem alguns que acreditam que não tem imaginação ou criatividade, pois foram “podados” desde pequenos e precisam redescobrir esse poder interno. Além disso, existem aquelas crianças que não querem jogar, e está tudo bem!
O grande e principal conceito é: a criança tem que estar interessada no jogo! Simples assim. Será que você consegue captar esse interesse? Como diz Leonardo DiCaprio no filme Django Livre – “Você tinha minha curiosidade. Agora você tem minha atenção.” E com as crianças é assim! Você tem que trabalhar a curiosidade delas, para que elas se entreguem à experiência do RPG.
A mente de uma criança
Diferente da mente de um adulto, a mente de uma criança não conhece as limitações da vida. Para ela os limites estão em construção e devem seguir esse caminho até o 2º ou 3º setênio. Veja mais sobre os setênios nesse link.
Nos primeiros 7 anos da criança, ela está desenvolvendo e se conhecendo como ser humano. Assim, aqui ela explora todo o ambiente em que está inserida e TESTA todas as hipóteses. Desconhecendo o medo e as frustrações. A criança vive pelo medo ou coragem (apoio) dos pais.
Dos 7 aos 14 anos, a segunda infância é caracterizada pela autoafirmação e aqui os limites de todos são testados para que ela possa descobrir quem é. Possibilitar uma grande quantidade de experiências nessa idade é encorajado, para que ao chegar na juventude essa criança entenda quem é.
Dos 14 aos 21 anos, o jovem busca sua voz! Assim, dar liberdade para falar e se expressar é importante para evitar a “primeira crise”. Pois, é nessa fase que a maioria dos adultos não entendem os jovens, não são parceiros e acreditam que criaram rebeldes. Porém, isso está mais longe da verdade do que poderia ser, pois é nessa idade que o jovem precisa ser escutado e estimulado a pensar por si só.
Entendendo essa lógica, podemos entender como um mundo lúdico pode possibilitar uma experiência desassociada da vida real, para expressar o que sente e se reconhecer como um ser humano completo e pertencente da sociedade.
Quando contamos histórias, brincamos ou jogamos com os pequenos, estamos alimentando sua sensação de segurança em relação ao mundo e possibilitando uma grande positividade e otimismo em suas vidas. Pois, ao se sentir seguros no ambiente básico, ao se sentirem pertencentes, o “mundo externo” não terá tanta influência em seus pensamentos.
As crianças aprendem a pensar por si mesmas.
O poder de um Avatar
Você já deve ter se deparado com a vontade de ser um super-herói ou algum personagem de algum quadrinho, seriado ou desenho. Talvez tenha sentado ou deitado algumas vezes na vida em sua cama e sonhado acordado com seus super poderes. O importante é entender que nossa mente não sabe diferenciar o REAL do IMAGINÁRIO. Portanto, quando paramos e imaginamos em cenas, estamos literalmente vivendo elas em nossas mentes e criando histórias.
Assim, quando uma criança se imagina como um personagem e ela o interpreta, ela pega emprestado seus poderes para transpor alguns desafios internos que são representados por monstros, criaturas, NPCs e colegas nessa jornada.
Tivemos numa mesa um jovem que chegou a chorar interpretando com o mestre, sendo esse o pai ausente do personagem. Assim, durante a mesa o jogador se emocionou e expressou tudo o que tinha que expressar sobre seu pai e a dor de não tê-lo presente. Dessa forma, num ambiente seguro, o jovem pode se expressar e liberar sentimentos reprimidos. Inclusive trazendo para a consciência do próprio jovem a consciência da dor que era evitada anteriormente. Antes que pergunte, sim, em seguida, ele foi acompanhado de um profissional e um processo lindo de cura foi iniciado. Se transformou num jogador MUITO mais alegre e participativo após essa experiência.
Só precisava de um lugar para ser ouvido.
Vencendo monstros
Ter um personagem com poderes especiais ajuda a gente a encarar nossos medos, anseios e dores de forma muito mais fácil e encorajada. Pois pensamos que é o personagem que está fazendo o trabalho, sendo que somos nós mesmos que estamos criando aquela realidade dentro do jogo.
RPG para crianças
A voluntária e chefe de Alcatéia do Movimento Escoteiro, desde 2002, Beatriz Acerbi, adotou o RPG como forma de engajar e educar os seus lobinhos, nome dado as crianças de 7 a 11 anos, desenvolvendo dinâmicas e histórias que trazem o protagonismo para os pequenos e os ajudam a vencer as centenas de desafios que essa fase compete.
Como uma grande líder a Bia, como chamamos carinhosamente aqui na Nuckturp, resolveu estudar e se empenhar nesse processo. Assim, ela participa da nossa Academia de Mestres de RPG e combina os princípios do movimento escoteiro, do desenvolvimento pessoal, da educação infantil e soma suas habilidades como mestre de RPG para trazer uma imersão para as crianças que com ela brincam e aprendem.
Além disso, a Bia sempre traz seus filhos Cleo, 9 anos, e Theo, 12 anos, para participar dos nossos eventos, jogar e dizer o famoso “Oi RPGeiros!!” – marca registrada do Theo no nosso servidor.
Entrevistando a Bia!
Resolvemos fazer algumas perguntas para a Bia, sobre como ela atua com essas crianças no movimento escoteiro e seus desafios para ser uma grande mestra de RPG para eles.
Você mestra para os lobinhos, quais são os seus maiores desafios com os pequenos na hora de mestrar RPG?
Bia – Antes de tudo, preciso explicar o uso que estamos fazendo do RPG com os lobinhos. Com o cenário da pandemia, as atividades antes presenciais e ao ar livre, foram subitamente jogadas para o mundo virtual. Onde tanto as crianças quanto nós adultos voluntários fomos desafiados a manter a diversidade, interação, diversão das atividades que eles estavam acostumados.
Passados 6 meses de atividades online, todos nós já estávamos desanimados, pois a variedade ficando cada vez mais reduzida. Então, resgatei uma ideia antiga de jogar RPG com os lobinhos e iniciamos como um jeito de contar as aventuras do Mogli, mas de uma forma que os lobinhos pudessem interagir com a história. O que deixou essa contação de histórias mais próxima do RPG que os jogadores habituais conhecem.
Depois dessa experiência, percebemos que as competências que ajudamos as crianças a desenvolverem nas atividades presenciais, podiam, em parte, serem avaliadas usando o RPG como ferramenta. Daí em diante, usamos o cenário da floresta onde as histórias do Mogli se passam como fundo de cena, para que eles possam explorá-la e interagir com os demais personagens.
Para a criação dos personagens, reduzimos a lista de “talentos” do sistema Tiny Dungeons, separando aqueles que fariam sentido quando criassem os próprios personagens e eles até escolheram ter uma desvantagem! O mais difícil é fazer com que os lobinhos esperem a vez deles de falar (rsrs). Pois eles se empolgam e acabam “atropelando” uns aos outros no momento de falar ou agir.
Como você mantém as crianças interessada no jogo durante várias sessões?
Bia – Uma atividade escoteira “padrão” tem em torno de 2h30, mas no online a atividade tem entre 1h e 1h30. Porque afinal eles já passavam a semana toda na frente do computador em aula e sabemos que isso cansa demais. Quando começamos a jogar, a ideia era que o jogo tivesse no máximo 40 minutos. Mas nas últimas sessões passamos facilmente de 1h, para que eles não se dispersem demais.
A história é mais controlada, eles tem algumas opções de direções a seguir – se estiverem livres, ou seguem algum personagem, e o grupo segue a decisão da maioria, uma vez que os personagens são filhotes de lobos e não podem sair pela florestas sozinhos. Daí em diante, fazemos como normalmente pensamos em uma masmorra ou cenário semelhante, há o lugar para eles explorarem, mas obviamente, sem a parte de enfrentamentos ou combates.
O que você acredita que há de diferente entre mestrar para adultos e para crianças?
Bia – Quando contamos histórias ou qualquer outra atividade, adaptamos as regras e cenários para as diferentes idades. Posso dar o mesmo jogo tanto para os lobinhos quanto para os escoteiros ou seniors (jovens que tem entre 11-15 anos e 15-18 anos respectivamente), mas as regras serão ligeiramente diferentes para cada faixa de idade. Assim como o uso (ou não) de uma história para ambientar o jogo.
O RPG funciona exatamente da mesma forma, quanto mais experiência o jogador tem, mais elementos o mestre pode introduzir para “complicar” o cenário. A grande diferença entre o jogo dos adultos e o jogo para as crianças é a paciência e disposição necessária por parte do mestre, pois as crianças demandarão um pouco mais de cuidado do linguajar, do cenário e as vezes é preciso cortar a conversa deles e traze-los “de volta” para o jogo.
Quais habilidades você acha essencial um mestre de RPG para crianças desenvolver?
Bia – O mestre de RPG para crianças precisa ser um contador de histórias, mais do que quando o jogo é voltado para os mais velhos e adultos, uma vez que é a história inicial que vai prender a atenção das crianças. Quando jogamos com adultos, na maioria das vezes não há uma parte contada, os jogadores são apresentados ao cenário e demais personagens e eles conduzem as interações. As crianças já precisam ser envolvidas na própria historia.
Sensacional essas respostas, não é mesmo? Gratidão Bia por compartilhar seu conhecimento com a gente!
Além disso, se você tiver uma dica ou algum insight sobre como mestrar RPG para crianças, deixe nos comentários! A gente vai amar expandir essa conversa com vocês.
Uma oportunidade incrível se abre!
Enfim, que tal começar a mestrar RPG para crianças? É um convite que nos ajuda a introduzir pequenos jogadores que são capazes de criar aventuras incríveis, personagens inusitados e interpretam de forma rica e divertida. Assim, a única atenção que é necessária é no conteúdo que será passado para eles. Portanto, tome cuidado com a quantidade de “realidade” que você coloca em uma mesa para essas crianças. O objetivo é estimula-las e dando uma possibilidade de crescimento pessoal para elas.
E aí? Que tal aprender a mestrar com a gente na Academia de Mestres de RPG e depois levar aventuras incríveis para os pequenos?