O que é lo’fi hip hop?
Não é incomum encontrar músicas que te fazem refletir, trazem inspiração e até lhe fazem imaginar a vida de um outro modo. Mas diferente de outras sonoridades, o lo’fi hip hop é é feito exclusivamente com essa finalidade.
Em entrevista ao Expresso Leste, Julia Alexa de 22 anos representante do canal The Bootleg Boy nos explica como surgiu esse gênero tão difundido pela internet mundo a fora.
Alexa nos explica que lo’fi é uma sigla que significa “low fidelity“, com tradução literal para o português “baixa fidelidade”. Termo que foi criado a partir do DJ William Berger na década de 80, a qual difundiu-se a partir de seu programa numa antiga rádio do sudeste dos Estados Unidos, exclusiva para músicas caseiras.
“Na década de 80 esse termo era ligado a registros sonoros com muitas imperfeições ou erros de gravação nas fitas de rolo“, nos conta Alexa.
Por que o lo-fi não é mainstream?
Mais de 30 anos depois o termo lo’fi agora também é associado para gravações de baixo orçamento e em músicas que desejam fugir do mainstream como relata Alexa.
“Boa parte das músicas que hospedamos em nosso canal não recebemos nada por elas, nem mesmo dos artistas ou da plataforma do YouTube, fazemos isso por amor a estética“.
Fator esse que também explica porque a maioria de seus artistas são anônimos, alguns utilizam canais no YouTube com nomes artísticos, mas jamais revelam seu verdadeiro nome e não mostram seus rostos.
Alexa nos conta que isso se dá devido ao uso de samples, letras ou batidas emprestadas de outras músicas com maior renome, o que impossibilita a monetização de boa parte das músicas lançadas. A título de exemplo, músicas como “Ela partiu” de Tim Maia já se tornaram lo’fis.
O lo’fi ainda adere essa busca por reviver cantores e canções clássicas da determinada cultura do artista, é fácil encontrar lo’fis de “Azul da cor do mar” de Tim Maia, além de “Garota de Ipanema” de Tom Jobim entre outras.

Uma estética da internet
O gênero Lo’fi passou por uma grande transformação desde os anos 80 até chegar em seu auge atual, saindo de gravações caseiras e compostas principalmente por erros, para um gênero musical, um estilo de gravação e um movimento de estética da internet.
“Casey Neistat foi um dos principais artistas a tornarem o gênero conhecido, ele tem uma forma simples de gravar seus videos, mas que dão ênfase em sua música se você parar um minutinho para prestar atenção com certeza vai se apaixonar“, diz Alexa.
O Lo’fi além de tudo é uma grande mistura de gêneros, englobando em suas composições o jazz, trip hop, vaporwave e principalmente o hip hop. Gêneros que se complementam e que foram criados um a partir do outro.
O gênero adota o uso de sons incomuns para a produção musical, é fácil encontrar em suas composições barulhos de chuva, sons de vinil ou vitrola, sons de garrafas, bolhas de sabão estourando e até diálogos de algum filme ao fundo.
A diversificação de instrumentos do gênero também impressiona, indo dos mais comuns como baixos e guitarras, até os mais diversos como violinos e ukuleles. Dessa maneira o lo’fi trás uma filosofia em suas composições, ser o completo oposto do hip hop, como nos conta Alexa.
“Lo’fi é para te acalmar, trazer paz depois de um dia exaustivo e difícil, é para relaxar, refletir, pensar. É quase como yoga, muitos artistas do ramo atribuem a meditação ao gênero“.

O movimento lo’fi
O hip hop em sua grande maioria, traz críticas sociais, oposições a política e batidas pesadas em sua composição, com bpm’s altos e o lo’fi busca subverter tudo o que seu gênero pai trouxe, batidas calmas, lentas de pouca ou nenhuma letra.
O gênero cria a sua sonoridade através de um ambiente introspectivo, íntimo e que busca trazer maneiras de você pensar, observar refletir sobre a sua própria vida. O movimento ainda adota, uma maneira diferente de produzir suas músicas.
Os artistas não demoram muitos dias para produzir sua música, o movimento incentiva que os artistas misturam sua paixão e seus hobbies para criar algo único em poucas horas ou dias, mas acima de tudo não existe uma fórmula para se fazer lo’fi.
Tudo que o movimento pede é que o artista abrace seus pensamentos e sentimentos, trazendo de alguma forma uma atmosfera boa e relaxante.
O Lo’fi se assemelha muito ao Bedroom Pop, tanto em origens quanto em estética, mas em principal os seus artistas terem nascido na mesma época e optarem por apelar pela nostalgia.
Sua estética única marca presença pelas redes sociais, trazendo memórias de infância e te levando também a reviver seus momentos de adolescência.
Estética essa criada pelo artista japonês Nujabes, que faleceu em 2010 num acidente de carro, aos 35 anos.
“Nujabes é pioneiro, trouxe a estética adolescente e de anime ao lo’fi. Seu trabalho em Samurai Champloo foi essencial para o gênero sair do oriente e chegar ao ocidente, todos nós crescemos vendo animes, por isso nos representa”, enfatiza.
Um exemplo que podemos citar, que trás as raízes dessa criação de estética do gênero, vem do canal Lo’fi Girl no YouTube. Canal esse que faz transmissões de lo’fi 24 horas por dia, dando espaço para produções de artistas de todo mundo.
O canal ficou extremamente conhecido devido ao caso do lo’fi de 13 mil horas, uma transmissão que foi derrubada por conta de um erro da plataforma YouTube, a transmissão sempre conta com um looping de uma menina em traços de anime estudando.
Nos mais de 15 mil comentários, é possível perceber que a maioria das pessoas que estão ali acompanhando também estão estudando ou simplesmente buscando paz. A plataforma YouTube publicou uma nota em suas redes se desculpando pelo erro e colocando novamente a menina do lo’fi no ar.

Um convite ao novo
Em um gênero tão complexo de diversas camadas, onde não se encontra entrevistas com produtoras ou artistas do gênero, muito menos clipes e produções audiovisuais de suas músicas, uma definição exata do que é esse gênero é quase tão complexa quanto ele.
Mas Alexa nos entrega uma definição, reflexão ou convite para conhecer o gênero.
Vivemos em um mundo caótico, onde o ódio é destilado de forma gratuita, até mesmo as relações com familiares são difíceis. Mas tudo o que o lo’fi procura é a paz.