Contos

Olhos Vazios – Cascata de Estrelas

Se essa é sua primeira vez leia desde o capítulo 01, clicando aqui.


Capítulo 05

Olhos Vazios


O corpo derramava sangue fresco e mal cheirava alguma coisa. O rosto estava desfigurado, mas podíamos reconhecer a figura feminina que estava amarrada pelos pulsos e tornozelos, sendo esticada por essas extremidades, quase cortada pela metade. Os olhos eram a única parte reconhecível e eles estavam arregalados em medo e terror. O jeito que pairava no meio do hall principal do hotel causava repulsa e uma sensação de aviso: “vocês não deveriam estar aqui”. Quando pisquei finalmente, vi todos parados ao redor do corpo ainda observando e resolvi dar o primeiro passo em sua direção. Logo abaixo, manchado pelo sangue que gotejava, formando um pedestal, uma plaqueta metálica que revelou, quando esfreguei a manga da blusa em cima para limpá-la, um pequeno texto em uma língua desconhecida.

– O que tem aí? – ergui os olhos tomando um leve susto com Lea sussurrando perto de mim.

– Não faço ideia… Consegue ler?

– Isso são palavras?

– Não parece em nada com nenhuma língua conhecida. – o jovem que estava do outro lado da sala estava encarando a plaqueta do meu lado agora – Deve ser algum tipo de… Língua alienígena.

– Para de palhaçada, Cameron. – a voz feminina o acompanhava com um soco no ombro – Não é hora pra essas brincadeiras idiotas, seu imbecil. Não tá vendo que alguém morreu?

– Charlotte, foi só pra quebrar o clima… – o garoto se emburrou e saiu de perto. Uma câmera surgiu do meu lado no lugar dele.

– Licencinha… – com flash, a garota bateu algumas fotos. Agora, vendo os dois, com certeza são gêmeos.

– Ei, o que vai fazer com isso? – Arthur se juntou a nós e falou ríspido com a fotógrafa.

– Eu? Ah, eu vou… Analisar. É, isso, eu vou analisar. Principalmente esses escritos esquisitos…

– Ora, sua… – ele começou a xingá-la enquanto ela fingia não ouvir.

– Você não acha que devemos… tipo, tirar ela dali? – Lea me perguntou enquanto eu encarava as escrituras como se olhar fixamente para elas fosse traduzi-las de alguma forma – Thommy?

Thommy…

– Hm? Disse algo? – chacoalhei a cabeça quando ela encostou em meu ombro – Acho que desliguei por um segundo.

– Você tá bem mesmo?

– Eu acho que sim.

– Tá… vamos dar um jeito de descer ela, pode ser?

– Oh ok… – finalmente encarei o corpo e a sensação do meu estômago revirando foi quase mais forte do que eu – Ugh, eu… não sei não…

Já descrevi tantas vezes em meus livros cenas de mortes violentas, sangue e tripas esparramados, o olhar vazio dos cadáveres, mas nada, e eu falo sério, nada é como encarar alguém morto dessa forma bem na sua frente. O tempo que eu hesitei foi o tempo que Arthur se pendurou na haste que segurava a garota morta no lugar e desfez os nós das mãos dela. Lea ajudou com os pés e eu só ergui os braços com os olhos meio fechados, sofrendo de um calafrio de aflição ao sentir o peso tombar contra mim. Em três, a colocamos no chão enquanto os gêmeos se aproximavam mais e os flashes recomeçavam.

Arthur esbravejava com a tal Charlotte para parar de tirar foto de cadáver. Se não me engano, era mania dos antigos vestir, arrumar e tirar foto de quem já morreu para “preservar a alma” ou algo do tipo. Mas eu não acredito que tenha algo a ser preservado aqui…

– Os olhos dela… – Lea não terminou. Todos conseguíamos ver nitidamente que, o que estava arregalado numa expressão de medo eram os buracos vazios, porque não havia olhos ali. Tive um lapso do pesadelo na plataforma do trem.

– Deem licença. – Arthur nos afastou um pouco – Preciso de espaço para trabalhar.

– E você é o que, hein? Legista? Investigador? Ia ser muito clichê, do nada, um de nós ser exatamente o que a cena precisa. – Cameron bufou de braços cruzados.

– …Eu sou médico. – ele piscou confuso tirando luvas de borracha do bolso – Quero checar o que aconteceu aqui. Vocês não podem se fazer úteis e descobrir qual quarto ela estava ou qualquer coisa do tipo?

– Que estúpido. – Charlotte era quem cruzava os braços agora.

Eu acenei com a cabeça na direção dele e me levantei. Lea foi me acompanhando perguntando se eu tinha alguma ideia. Eu não sou um gênio sobre essas situações, mas eu sei desenvolver um bom mistério investigativo… Vamos ver, por onde meus protagonistas começariam a investigar? O balcão da recepcionista foi o alvo número um e nos colocamos a abrir todas as suas gavetas.

– Achou algo interessante?

– Um monte de documentos financeiros… Agendas… E algumas coisas com o que eu julgo ser os nossos nomes. – eu folheava um bolo de papéis colocados muito bem alinhados na penúltima gaveta.

– Com os nossos nomes? O que eles falam?

– “Eu, Thomas J. Kronner, atesto que sou a favor de minha estadia plena no hotel Beach Tenby Inn e aceito todos os termos que me forem submetidos durante a minha estadia”...


Leia todos os textos desta novela digital | Capítulo Anterior | Próximo Capítulo