Os Outros – Cascata de Estrelas
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Capítulo 02
Os Outros
Desde o primeiro dia de minha estadia aqui, eu reparei na pouca quantidade de funcionários que só diminuía com o passar do tempo. Mesmo assim, eu não avistava nenhum outro hóspede e isso já estava ficando um tanto estranho para um hotel deste tamanho. Foi no sétimo dia que eu resolvi sair para caminhar pelos corredores à procura do garçom que rondava todas as manhãs com aquela quantidade incrível de pratos em seu carrinho. Ele já deveria ter passado há horas. Para contar mais sobre esse imenso lugar, os corredores são largos e longos, com esquinas difíceis de saber o que tem do outro lado. Um carpete que cansa a vista junto com as paredes amadeiradas e embebido em um cheiro adocicado.
É só uma porta de quarto por corredor. Os quartos são grandes e bastante luxuosos, acho que é por isso que tem tantos andares. Sempre pego o elevador para ir até as áreas comuns por estar alocado no oitavo andar, mas resolvi usar as escadas hoje para conhecer mais do ambiente. Confesso para vocês que a arquitetura daqui é bastante vaga. Por mais que sejam todos iguais de decoração, os andares são de formatos diferentes. Se você não prestar atenção por onde anda, com certeza acaba se perdendo. No terceiro andar, estranhei uma porta entreaberta e me esgueirei para ver lá dentro quando ela se abriu e deu de cara comigo.
– Ai! – uma voz feminina rouca me fez segurar o nariz depois da cabeçada que tomei – Não vê por onde anda? Estou farta de você, seu garçom inútil! Onde já se viu, atrasar tudo isso e ainda… Ah.
Uma expressão de decepção sai da voz dela quando repara em mim e eu reparo nela. É uma mulher de estatura média, olhos escuros como seus cabelos presos, a pele bronzeada coberta por uma jaqueta de couro e uma calça jeans.
– Eu não sabia que tinham outras pessoas hospedadas além de mim. – ela fala num tom mais suave e logo firma a voz de novo – Mas não vou pedir desculpas. Quem você pensa que é para bisbilhotar a porta alheia?
– Thomas. – a mão que não está no meu nariz se estende na direção dela – Muito prazer. Eu tinha esperança de que havia outros hóspedes, fico feliz em estar certo. Desculpe o inconveniente.
– Oh… Lea. – ela aperta minha mão meio hesitante – Tudo bem. Eu acho que é um alívio mútuo, esse lugar é grande demais para não ter ninguém. Já leu O Iluminado? Grandes hotéis vazios assim traz más recordações…
– Concordo. – faço um gesto para andarmos juntos – Estava andando por aí para ver se encontrava ao menos algum dos funcionários, mas você foi a minha primeira sorte. Está hospedada há muito aqui?
– Bizarro… – ela caminha comigo escada abaixo – Fui recebida na estação de trem há doze dias. Tinham tantas pessoas aqui quando cheguei. Pessoal interno, mesmo assim, não imaginei que ficaria tão vazio assim do nada. Também está fugindo dos tormentos de Londres?
– Acredito que todos estamos.
Em nossa jornada, não encontramos mais do que os dois baristas e as duas recepcionistas em todo o hotel. Tudo o que nos contaram é que estamos em um total de oito hóspedes, um por andar. Nos separaram pela nossa própria conveniência, uma conversa estranha sobre nos dar o espaço que precisamos. Na caminhada do lado de fora sentindo a brisa da maresia com o barulho das ondas ao fundo, conversamos sobre nossas vidas fora daqui. Lea é pilota de uma frota de aviões de carga, está sem trabalhar desde o embargo comercial e veio aceitar as férias forçadas. Me contava que não conseguia dormir tão bem quando estava em casa, mas que as camas daqui fazem milagres.
É claro que eu não perguntei sobre sonhos e vozes. Eu posso ser doido, mas não sou idiota. Isso só traria a sensação de que a doença está chegando até nos cantos mais remotos… Mas ainda desperta minha curiosidade. Voltamos para nossos quartos já no fim da tarde, mas não sem antes passarmos no salão de refeições onde nos deparamos com mais três pessoas ali já sentadas conversando baixinho, sérias e exasperadas. Se calaram quando nos aproximamos.
– Então, já somos cinco. Três ainda estão por aí. – um senhor praticamente cospe as palavras de desdém – Quem são?
– Por Cristo, George! – a senhora sentada ao lado dele o chama a atenção – Pare de ser ruim, homem! Não liguem para ele, crianças, meu nome é Olívia e este é o meu marido.
– Muito prazer, senhora Olívia. Sou Lea e esse é Thomas.
– Prazer, senhores. – estendo minha mão para cumprimentá-los, mas a terceira pessoa não a aperta.
– Arthur. – ele só acena com a cabeça, os olhos claros desconfiados fixos em nós e um tique aparente de ajeitar as luvas nas mãos o entregam – Aprecio a distância, meus caros.
Mesmo que a conversa continue a fluir, fingimos alívio ao conhecermos mais pessoas, duas coisas ecoam na minha mente. “Três ainda estão por aí”, mas “O que podemos lhes informar é que há um hóspede por andar”… Algo está errado.
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