Pandora RPG: Uma grata surpresa nacional!

Recentemente, nesse fim de ano conturbado andei perambulando pela internet. Sem intenções, apenas procurando alguma distração. Eu estava procurando organizar minha cabeça. Portanto não esperava nada de grandioso. Mas a vida sempre consegue nos surpreender. Conversando sobre RPGs solo, que é um dos meus nichos, descobri o Pandora RPG.
A curiosidade me venceu e fui ler o sistema. Mas foi uma grata surpresa! Primeiramente adianto que o sistema é inovador, com conceitos que eu nunca tinha visto. Inclusive resolve problemas que eu tinha principalmente com oráculos para RPGs solo.
Portanto eu segui minha índole para garantir que estou recomendo um produto de qualidade. Primeiro eu li grande parte do sistema, admito que algumas partes que tenho menos interesse, deixei de lado. Em segundo lugar eu fiz uma aventura para testar como o sistema se comportava e tirar minhas dúvidas quanto ao seu funcionamento. E ele funciona surpreendentemente bem! Inclusive certas mecânicas podem ser usadas em mesas de outros sistemas!

O que é o Pandora RPG?
Primeiramente Pandora RPG é uma produção nacional desenvolvida por uma única pessoa. Portanto um projeto desse porte já merece reconhecimento. Apesar de não ser suficiente para se julgar a qualidade. Em seguida, eu sei que estamos numa onda que busca a identidade nacional do nosso RPG. Então devo listar os principais “concorrentes” do Pandora RPG (por assim dizer): Tormenta 20 (de longe o maior), Ordem Paranormal, 3D&T e Old Dragon.
Falando um pouco sobre cada um deles, começo com Tormenta 20 e Old Dragon são baseados nas antigas edições de D&D. Ordem paranormal admito que não é meu nicho, portanto não conheço nem as mecânicas básicas dele, só sei que é passa a vibe de Call of Cthulhu. E por último 3D&T, que é o mais próximo de Pandora RPG, até onde é possível comparar.
O Pandora RPG tem uma característica que separa ele dos outros sistemas que eu conheço, o que é simultaneamente bom e ruim: Ele foi escrito por uma escritora, e não um designer ou um rpgista. Então o sistema tem um viés muito maior em contar uma história do que ser um apenas um sistema em si. Por outro lado, a linguagem do livro apela para a criatividade e deixa alguns conceitos em abertos. Inclusive a própria autora comentou que quando lançou o sistema, os jogadores tinham dificuldade de compreender os conceitos do livro. Por isso digo que o Pandora RPG requer uma abordagem mais criativa do que sistêmica por parte dos leitores.
Funcionamento do sistema

Pandora RPG é um sistema genérico baseado em 3d6. A principio eu achei que ele se baseava em GURPS e até tem certas similaridades. Mas me aprofundando na leitura e conversando um pouco com a autora, vi outras inspirações. Algumas óbvias, outras nem tanto.
A base do sistema é uma rolagem de 3d6 + Stats/Habilidade vs CD, que no livro é chamado de Meta. Inclusive aqui é onde eu percebi a primeira genialidade da matemática, você pode usar tanto a tabela de Metas. Que vai de muito fácil (10) a lendário (35) ou rolar uma meta aleatória usando 6d6. Claramente rolando então um número aleatório entre 6 e 36, sendo a média em torno de 21.

Já a ficha utiliza aproximadamente um folha A4 inteira. É o tamanho para uma ficha e tem bastante espaço para anotações em relação a história, que é o foco do sistema. Ela possui 8 stats e 10 habilidades genéricas. Interessante que os stats não influenciam nas habilidades, são números separados. Enquanto os stats são usados diretamente nos combates, são as habilidades que são utilizadas em testes de qualquer outra natureza.
Inclusive dentro das habilidades existem as aptidões, que são especializações do personagem. Logo o mais interessante é a forma que essas aptidões dão bônus as rolagens. Portanto suponha um personagem com Lógica 10 e aptidão em Investigação. Nesse ínterim suponha uma rolagem com intuito de investigação. Sem a aptidão, o teste seria 3d6 + 10 vs Meta, mas como o personagem é apto nesse teste ele recebe 1dV. Mas o que é 1dV? É 1 dado de Vantagem. Então o personagem rola 4d6 + 10 e usa o resultado dos 3 maiores resultados dos d6!

Mecânicas focadas na história
Quando eu li o sistema, minha principal preocupação foi o funcionamento da mecânica de resolução de aventuras. Pandora RPG gosta de separar a campanha em aventuras, e sugere uma forma de narração baseada em improvisação. Portanto ele tem um “medidor” de avanço da história.
Como ele funciona? Toda aventura começa em 1% de conclusão. Conforme o grupo avança na história, novas cenas se concluem, hipóteses aparecem e etc, os jogadores rolam o chamado d6%. Então essa notação significa rolar 1d6 (ou mais) e somar o número à porcentagem de conclusão da aventura. Logo, a qualquer momento que o mestre ou os jogadores julgarem que suas ações forem suficientes para concluir a aventura, eles podem rolar 1d100 cuja meta é porcentagem de conclusão da aventura. Então se rolarem abaixo da meta, eles podem concluir aquela aventura ou linha de trama e prosseguir com a campanha.
Portanto suponha o seguinte cenário. O grupo está tentando desestabilizar um comerciante corrupto. Então cada vez que saqueiam suas carroças, prendem seus comparsas e etc, o grupo rola a quantidade apropriada de d6% (até o máximo de 3d6%) e quando acharem que for o suficiente ou pertinente, podem tentar concluir essa aventura rolando 1d100.
Uma forma diferente de tratar a vida
Outra peculiaridade do Pandora RPG que eu simplesmente amo (e não sei se existe em outros sistemas), é a forma que se trata os ferimentos. Pois cada golpe é anotado no campo “ferimentos” separadamente, e somente são somados para definir a sua “tolerância”. Primeiro explicando a tolerância, que dita quando o personagem pode cair a nocaute. Portanto a cada 10 pontos de tolerância, você rola 3d6 + VTL vs Meta definida em uma tabela especifica. Caso falhe, o personagem vai a nocaute.
Enquanto que os ferimentos não se recuperam com apenas uma noite de descanso (estou olhando para você D&D) ou em quantidades de HP fixas (não é PF2e?). Então é aqui que cada ferimento anotado separadamente entra. Pois dependendo do tempo gasto se recuperando, o personagem se recupera de ferimentos com gravidade diferentes. Por exemplo, 6 horas de descanso dão a possibilidade de se curar ferimentos entre 1 à 5. Em caso de falha, o ferimento aumenta em 1d6-1, tornando-se progressivamente mais difícil de ser curado.
Por fim a morte de um personagem. Ele morre se um ferimento chegar a 3 vezes o valor da VTL ou se o jogador rolar uma falha crítica (1,1,1) no teste de nocaute. Então não é fácil morrer em Pandora. O que é entendível, dado o foco narrativo e não combativo do sistema.

Aberto a criatividade
O que eu sinto que pode afastar novos jogadores é a abordagem, a língua que a autora utilizou para explicar suas mecânicas. Pois nós jogadores esperamos algo bem técnico e com linguagem exata. Quase como um contrato judicial. No entanto Pandora uma usa uma linguagem quase genérica. Parece que pede que o jogador customize e adicione elementos ao sistema de acordo com as regras expressas.
Por exemplo compare GURPS com Pandora. No GURPS, o sistema tem várias tabelas com centenas de armas com os mais diferenciados atributos divididos por nível de tecnologia. Enquanto no Pandora, tem-se “Pistola, 2d6-1 de dano perfurante”. No caso ela tem mais propriedades que isso, mas é só um exemplo. Pois então “ah, mas no meu mundo não existem armas de fogo!”, pois Pandora resolve isso com uma tabela separando o que seria um dano letal de um pontapé ou soco por exemplo.
Essa lógica se perpetua ao longo do sistema, inclusive com um capítulo dedicado a 3 mundos exemplos criados pela autora. Eu particularmente joguei uma campanha cyberpunk. Então tive dúvida de como seriam próteses no sistema. Falando com a autora ela sugeriu que eu criasse talentos, aptidões ou itens com o sistema de crafting do Pandora RPG. Logo cheguei a conclusão que Pandora RPG tem potencial de receber suplementos que estendem a lista de conteúdo. Algo como Ravenloft para D&D5e. Quem sabe.
As joias de Pandora
Esse é o sistema do Pandora RPG que, ao mesmo tempo interage com outras mecânicas, foi um dos que mais me levantou dúvidas. Não quanto ao funcionamento, mas sim se eu iria gostar ou não do Pandora RPG. Primeiramente um pouco do meu contexto. Eu não gosto de sistemas que atrelam o mundo deles às mecânicas, vide Tormenta 20, onde a Tormenta é indissociável de suas mecânicas. Portanto quase inviabilizando o sistema para outros mundos homebrews.
Comparando com D&D5e, que apesar de possuir Forgotten Realms, ele ainda funciona muito bem para outros mundos como Greyhawk e até Ravenloft. De certa forma, as joias de Pandora tem um pouco dessa visão, algo que não é genérico suficiente. É um elemento a ser adicionado no seu mundo.
As joias estão intimamente ligadas com a magia do sistema e são uma mistura de itens mágicos com mana. Além de poderem intervir em outros aspectos da ficha. Finalmente como mencionado anteriormente, as joias de pandora não tem uma definição do que são, além de sua definição técnica. Pois por definição do próprio sistema, os jogadores definem o que são as joias quando começam a campanha. Desde pedras mágicas até cartas de tarô (exemplos próximos dos usados no livro).
Pandora RPG Solo
Com a mesma intenção de Ironsworn, o Pandora RPG foi construído a partir dos seus pilares para também ser jogado solo. Então com esse conceito em mente, entende-se a geração de Metas aleatórias e o fato dele ser um RPG genérico.
Até onde entendi, Pandora RPG nasceu com o intuito de substituir as centenas de oráculos e tabelas que os outros RPGs solo possuem. Portanto ele visa ser simples, intuitivo e versátil o suficiente para se jogar qualquer gênero. Inclusive gêneros de nicho, como RPG escolar. Ao mesmo tempo, ele não pretende tomar o mesmo tom de poder absurdo que o 3D&T tem (apesar de ser possível).
Portanto o Pandora RPG brilha aqui. Em meio a suas páginas, existem várias e várias tabelas prontas para rolagens aleatórias para os mais diversos assuntos e satisfazer as necessidades do jogador solo. No entanto, para o bem ou para o mal, não são toneladas de tabelas, eu diria que é quantidade certa para um o que o sistema propõe. Ao mesmo tempo eu somaria algumas tabelas extras de terceiros de acordo com o que eu estiver jogando.
Onde realmente as mecânicas solo do Pandora RPG brilham, é com o oráculo genérico. Como no resto do sistema, ele usa 3d6 para se gerar resultados entre “Com certeza” e “Definitivamente não” e usa os dados de Vantagem e Desvantagem ao invés de modificadores estáticos como +1 ou -2! Eu achei genial! Por que, acredite se quiser, eu já me deparei com uma situação em que essa mecânica de dados a mais funcionaria melhor do que números.

Vale a pena?
Um sonoro SIM. Apesar das minhas dúvidas iniciais e mudança de mentalidade que tive que entender para realmente perceber como o sistema funciona, minha experiência com Pandora RPG foi extremamente positiva!
Infelizmente só tive a oportunidade de jogar solo (e ele reavivou minha chama pela prática). Mas com certeza tenho dois objetivos agora envolvendo o Pandora RPG. Primeiro eu quero experimentar como é joga-lo em grupo, tenho certeza que é uma experiência completamente diferente, mas tão divertida quanto. Em segundo lugar, quero testar a mecânica de resolução dinâmica de aventuras para minhas narrativas (eu tenho um estilo que usa muita improvisação, então cabe aqui).
Por fim, os créditos devidos. A autora Isabella Leão disponibiliza o Pandora RPG (junto com outros conteúdos) em seu agregador de links aqui de forma gratuita!