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Por que é tão difícil o personagem do jogador morrer?

Soldado morto por SilviuSadoschi
Soldado morto por SilviuSadoschi

Aposto que todos já perceberam o quanto é difícil o personagem do jogador morrer em aventuras. Principalmente quando o sistema utilizado é o Dungeons & Dragons 5e. Na verdade, eu já ganhei essa aposta. É só observar a quantidade de mestres que fazem regras homebrews para facilitar morte dos personagens. Ou no mínimo penalizar PCs que chegam a 0 pontos de vida mas não partem dessa para melhor. Também tenho certeza que você já presenciou discussões sobre o quão difícil é um personagem do jogador morrer.

Falando de D&D5e, todos sabem que quanto maior o nível de um PC, mais difícil é aquele PC morrer. Mesmo como um dos princípios de design ser que magias de cura devem ser escassas (ou pelo menos essa era intenção), morte ainda é rara. Mas então a pergunta que não quer calar é: Por que é tão difícil o personagem do jogador morrer?

Vamos então fazer uma rápida viagem no tempo para analisar esse fenômeno.

Dungeons & Dragons 1ª edição e morte dos personagens jogadores

Capa da primeira edição de Dungeons & Dragons
Capa da primeira edição de Dungeons & Dragons

A primeira edição do nosso querido D&D foi o primeiro RPG de mesa da forma que conhecemos. No entanto naquela época ele era muito diferente. O primeiro D&D se resumia à:

  • Procurar uma masmorra.
  • Encher os monstros de porrada.
  • Pegar todos os tesouros.
  • E ganhar experiência e níveis.

Bem simples, não concordam? Então naquela época, não havia muita preocupação no desenvolvimento de histórias comoventes. Portanto, a morte dos personagens não era grande coisa. Inclusive bem era constante. O meme de que magos morrem com 1d4 de dano se originou nessa época e jogares trocarem de ficha era um ato constante nas primeiras edições.

Não que isso seja um problema. Se era o que Gary Gygax e seus jogadores gostavam de fazer na época, quem somos nós para dizer o contrário não é mesmo? Afinal, entrar numa masmorra só para enfrentar um dragão também é deveras divertido.

Então como esse modelo mudou para o que conhecemos hoje?

A revolução de Hickman

Manifesto Hickman
Parágrafo do manifesto Hickman que nos importa. (Para conferir o manifesto na íntegra clique aqui)

No final dos anos 90, o casal Hickman (envolvidos na criação do cenário Greyhawk) escreveram um suplemento que continha em sua introdução 4 requerimentos para novas venturas. São eles:

  • Um objetivo para o jogador mais interessante do que “Pilhar” e “Matar”.
  • Uma história intrigante tecida dentro do próprio jogo.
  • Masmorras com bom senso de arquitetura.
  • Um fim alcançável e honroso dentro de uma ou duas sessões.

Agora que traduzi os 4 requerimentos, posso analisá-los. O primeiro requerimento é simples: Dê uma boa motivação para seu personagem. Implicando em personagens profundos e criando oportunidades para o jogador e mestre explorarem. Mas personagens cativantes sozinhos não fazem uma boa história. Então vem o segundo requerimento: Criar uma história cativante como catalizador das ações personagens. Portanto o que os dois primeiros requerimentos dizem é que matar e pilhar são motivadores que não se sustentam em uma campanha.

Logo depois os Hickman dão uma pitada sobre arquitetura de masmorras. Eles argumentam que cada sala de uma masmorra deve ser importante. Portanto o que eles querem dizer é que salas aleatórias quebram o fluxo da sessão e frustram os jogadores.

Por último, mas não menos importante, temos o quarto requerimento. Toda história precisa de um fim. Analogamente as quests e aventuras dos personagens também. Claramente nós já internalizamos esses conceitos. Afinal esse manifesto foi escrito visando um problema que começou as campanhas da época. Elas estavam começando a ficar chatas e repetitivas.

Mudança de paradigma

Antes de tudo, não vou dizer que a revolução Hickman foi a força motriz por trás do por que é tão difícil o personagem do jogador morrer. Eu acredito que foi uma mudança muito mais gradual. Afinal D&D existe há mais de 40 anos. Pessoas mudam.

Então qual é o problema? As 6 últimas palavras do quarto requerimento:

“…dentro de uma ou duas sessões.”

Primeiramente, me deixe explicar o impacto do manifesto no design das novas edições. Conforme os jogadores começaram a esperar que seus personagens progredissem tanto de nível quanto em termos história, os designers começaram a incorporar essa expectativa nas próprias mecânicas. Sob o mesmo ponto de vista, a adição dos Backgrounds na 5ª edição é um pequeno exemplo desse fenômeno.

Analogamente, os desenvolvedores das mais novas edições incorporaram essa idéia que um personagem deve viver para ver o fim de sua história. O que todos falharam em compreender sobre a revolução Hickman é que os jogadores devem receber a conclusão de pequenas histórias e quests em uma ou duas sessões. Ou seja, pequenos arcos de história, não a conclusão da campanha. Ao poucos os jogadores e mestres começaram a esperar que os personagens vivessem para ver o fim de aventuras mais longas, e até campanhas inteiras.

E é aqui que encontramos a razão da letalidade do D&D cair ao longo das edições. O paradigma do que é considerado uma campanha de rpg mudou para incluir histórias cada vez mais interessantes e longas. Então as expectativas dos jogadores de que seus personagens vivessem até o fim aumentou. Logo os desenvolvedores incorporaram essa idéia nas mecânicas, tornando o sistema menos letal a cada edição. Finalmente surgiu esse fenômeno dos personagens quase imortais.

E o que fazer?

Honestamente… Não sei. Não posso dar uma resposta correta. Mas posso te dar a resposta clichê: Vai depender do seu grupo. Primeiramente eu devo te perguntar: O quão importante é dificuldade do personagem do jogador morrer? As vezes apenas uma regra homebrew que penaliza personagens que chegaram a 0 pontos de vida basta. Talvez rebalancear os inimigos seja mais fácil para o mestre. Por outro lado temos que reconhecer que D&D5e foi desenvolvido com uma expectativa de campanha em mente diferente daquelas que os jogadores fazem. Assim eu não acho que regras homebrews são suficientes para mudar um conceito tão intrínseco ao sistema.

Não vou generalizar e dizer que todos os sistemas tem essa característica. Inclusive só usei o D&D5e por ser o exemplo mais notório. Agora, se me pagassem para dar um conselho seria usar outro sistema. Acredite, tem muitos sistemas por aí que são divertidos e vários graus de letalidade. Além de tudo sempre é divertido jogar uma coisa diferente!

Confia
Confia 😉