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Sessões de RPG: Prepare-se para Narrar

Em 2018 participei de um workshop sobre narração oferecido pela saudosa Roleplayers. Nele fui apresentado ao livro Despreparado? Nunca! O Guia Completo dos Mestres para Preparação de Sessões, escrito por Phil Vecchione e trazido para o Brasil pela editora Pensamento Coletivo. Como aprendi bastante lendo esse livro, achei interessante dividir com vocês um resumo do método do Phil sobre como criar sessões de RPG e se preparar para narra-las.

Capa da edição brasileira de Despreparado? Nunca! O Guia Completo dos Mestres para Preparação de Sessões. Arte sensacional por Matt Morrow.

O método foi criado pensando em como se preparar para narrar sessões, ou seja, planejar a próxima partida que você irá mestrar. Contudo, ele pode facilmente ser utilizado para planejar aventuras com mais de uma sessão. O importante é sempre que for narrar uma sessão de RPG ter em mãos sua preparação construída pelo método.

Ah, e se você curtiu criar aventuras da mesma forma que o Dan Brown, tenho uma boa notícia: o método do Phil pode te ajudar a usar o do Dan!

Fase 1: Brainstorm

Tome um tempo para pensar em diversas ideias para aventuras e anote todas, por mais absurdas e simples que pareçam. O intuito aqui é reunir possibilidades.

Para ajudar, você pode se fazer perguntas como: Vou narrar que tipo de aventura, uma perseguição, uma luta? Os personagens esperam que alguma coisa aconteça? O que determinado vilão está fazendo agora? Quero usar algum tipo de NPC? Os personagens precisam cumprir algum objetivo? Preciso trabalhar alguma consequência do jogo anterior?

Além disso, você também pode fazer perguntas que motivem aventuras: Qual o interesse dos alienígenas em invadir a Terra? O que fez os tritões começarem a atacar a vila de repente? Por que o gangster está atrás da irmã do personagem daquele jogador?

Fase 2: Seleção

Agora pegue a lista cheia de ideias malucas e procure nela aquela ou aquelas que servirão de base para desenvolver sua aventura. Não se preocupe em estrutura-la em uma ou mais sessões de jogo, sequer em cenas, isso fica para a próxima fase.

Ao fazer essa seleção, tenha em mente os seguintes critérios: perfil dos jogadores, seu estilo de narração, o sistema e, se for o caso, o uso dentro da campanha que está mestrando. Mas lembre-se que não há ideia alguma que funcione se os jogadores não quiserem jogar ou se você não quiser realmente narrar. Forçar algo nesse sentido somente causará frustração a todos no jogo e talvez até crie situações constrangedoras ou incômodas. A seleção também serve para filtrar isso.

Também podem ser separadas ideias não muito interessantes, porém úteis para determinado propósito de jogo. Na fase 3 será possível melhorar elas.

Fase 3: Conceitualização

Antes de tudo, tenha em mente que esta é uma etapa com um caráter mais reflexivo do que escrito, ainda que isso não signifique que você não possa fazer anotações. Então, procure fazê-la separada das demais fases, principalmente da próxima.

Aqui as ideias selecionadas serão expandidas para uma sessão de jogo propriamente dita. Chamamos essa expansão de conceitualização. Ela é feita através de uma série de perguntas quem, o quê, onde, por que e como. Veja alguns exemplos:

  • Quem – …está atrás do objetivo de jogo? …está tentando impedir os personagens de alcança-lo? …são os NPCs envolvidos?
  • O quê – …os personagens estão procurando? …irá acontecer para fazer a aventura andar? …fará determinada cena mais empolgante? …acontecerá se os personagens falharem? …o vilão fará para retaliar caso eles sejam bem sucedidos?
  • Onde – …os personagens estarão no início da sessão? …eles precisam estar quando acabar? …a sessão se passará? …os vilões estão espreitando?
  • Por que – …os jogadores vão querer ajudar? …o vilão precisa ser bem sucedido? …há uma poderosa maldição no templo?
  • Como – …os personagens chegaram à masmorra? …os vilões irão preparar suas defesas? …a armadilha é acionada? …os NPCs serão mudados após essa sessão?

Ao conceitualizar uma ideia, ela precisa ser entendida como uma história com começo, desenvolvimento e conclusão. Estruture a sessão ou aventura com uma introdução que dê propósito aos personagens para se engajarem no objetivo dela. Planeje o caminho que eles farão e os desafios que enfrentarão para chegarem ao clímax e enfrentar a oposição ao objetivo final. Também lembre-se de pensar em um desfecho: aquilo que acontece em os personagens sendo bem ou mal sucedidos em sua missão.

Hora de por a sua preparação de sessão de RPG no papel (ou editor de texto favorito)! Arte incrível de The Pixel Buster.

Fase 4: Documentação

Nessa fase você escreve tudo aquilo que entender necessário para lhe dar suporte para narrar o que foi conceitualizado. Aqui a ideia vai para o papel, ou PDF, DOC, powerpoint, site de gerenciamento de campanha ou qualquer meio que utilize enquanto mestra suas sessões de RPG.

Descreva cenários e cenas, crie fichas dos NPCs, desenhe ou busque mapas e imagens, procure por músicas e sons, pesquise as regras necessárias para a aventura ou mesmo crie novas, enfim, tudo aquilo que entender precisar ter em mãos para narrar a aventura que conceitualizou anteriormente. Documente somente o necessário para deixa-lo confortável e seguro para conduzir as sessões de jogo da aventura.

A forma como você fará isso, bem como as informações que documentará, é algo totalmente pessoal. Alguns narradores podem escrever descrições ou falas para lerem em determinados momentos, outros não; alguns podem precisar anotar certa regra de combate para determinada cena, enquanto que outros tem ela de cabeça e não se preocupariam.

Independentemente da forma e do que documentar para sua preparação, ela deve ser acessível, permitindo que a consulte quando quiser, organizada, de forma que consiga encontrar um determinado ponto sempre que precisar, efetiva, contendo apenas informações úteis, e confiável, pois você precisa ter segurança de que, quando precisar, a informação estará lá.

Apesar de esta fase poder facilmente ser combinada com a anterior, fazer isso pode ser improdutivo. Ainda que sejam etapas que sempre tenham alguma sobreposição, documentar uma cena apenas depois conceitualizada pode te fazer notar eventuais falhas, o que te permite voltar a conceitualização para corrigir isso.

Fase 5: Revisão

Bem, o nome é autoexplicativo, mas é interessante ressaltar que a revisão da documentação deve ser feita com seguintes olhares:

  • Corretor: procure por erros de escrita, de transcrição e omissões. Erros bobos como esses podem te desconcentrar e fazer você se perder durante as sessões de jogo;
  • Diretor: analise a documentação e veja se não há falhas lógicas na aventura, se ela flui bem e faz sentido, tem continuidade e conexão entre as cenas e se há detalhes ou descrições a serem inseridos ou excluídos. Ensaie o clímax e avalie os diálogos;
  • Playtester: avalie a aventura do ponto de vista dos jogadores, procurando por brechas e se certificando de que há motivações suficientes.

Preparo minhas sessões de RPG mesmo com aventuras prontas?

Sim, prepara, porém tudo fica mais fácil. O brainstorm e a seleção ficam limitados à descrição de cenas e possibilidades de jogo relacionadas às habilidades dos personagens dos jogadores. Quanto à conceitualização, boa parte de suas perguntas já estarão respondidas, logo ela será mais rápida. Ainda assim é uma fase extremamente necessária, pois é aqui que você irá planejar a sessão de jogo propriamente dita. As duas últimas fases não se alteram em nada.

Jamais abra mão de preparar suas sessões de RPG, ainda que vá mestrar uma aventura pronta. É mais fácil procurar por informações que você tenha escrito em um formato pessoal e organizado do que em meio a um texto longo de uma aventura que não escreveu. Além disso, sua preparação é um filtro do que efetivamente utilizará no jogo.

Isso tudo não é coisa demais?

Calma, jovem padawan, sei que a correria de seu dia a dia pode ter feito você achar que não dá para por esse método em prática. Mas, acredite, dá!

O método pode parecer trabalhoso, talvez complexo, mas não é. Vou dar um exemplo prático: indo para o trabalho de ônibus e metrô, faça o brainstorm enquanto ouve alguma música inspiradora conforme o gênero do jogo. Na volta, faça a seleção. Chegando em casa, após jantar e passar um tempo com a família, conceitualize as ideias selecionadas. No dia seguinte repita os mesmos passos para refinar a ideia, mas dessa vez reserve duas horinhas em casa para documentar a aventura. Revise na noite seguinte. Pronto, você já tem sua próximas sessão de RPG pronta para narrar!

Claro, o tempo de cada fase indicado no exemplo varia conforme você pratica o método e cria um estilo próprio de documentação. Com a prática você passa a perceber que não precisa mais documentar determinados detalhes porque você é bom em improvisa-los.

Além disso, quanto melhor conhecer o sistema e o cenário que o jogo for se passar e souber onde e quando improvisar, interpretar e por aí vai, menos precisará documentar sua preparação. Ou seja, quanto mais você mestrar, menos precisará se preparar – mas alguma coisa mínima sempre precisará preparar, para a segurança do seu jogo e garantia da diversão de todos.

Por fim, para mais dicas sobre como preparar suas sessões de RPG, recomendo ouvir a NuckturpTalks sobre como organizar seu jogo de RPG lá no canal do YouTube. Além disso, preparei um modelo da documentação que uso com orientações de como utiliza-lo e o deixei disponibilizado aqui no portal. Sinta-se à vontade para não só usar esse modelo, mas também para, principalmente, se inspirar e criar o seu!