Usando Arquétipos de Jung para criar Personagens
Criar personagens de RPG fica cada vez mais divertido e profundo conforme praticamos no início de cada mesa. Talvez, você tenha que criar após seu personagem morrer também. Acontece. Independente do motivo, cada vez que criamos ficamos mais ousados na complexidade, não é mesmo?
Porém, posso dizer que uma das coisas que mais gosto de fazer é criar personagens de RPG, sejam eles para eu jogar ou NPCs para minhas mesas. Cada vez eu escolho algo diferente para focar para trazer um personagem coerente e de forma que eu consiga atuar seguindo seu sistema de decisões. Pois, uma das coisas mais desafiadoras no jogo é separar o que seria decisão sua e o que seria decisão do personagem, não é mesmo?
Para ajudar nesse processo, nós já temos um mega texto completo que chama 10 dicas quentes para criar o seu personagem de RPG, que trazemos 10 pontos importantes para você pensar na sua criação. Porém, hoje quero trazer um conceito anterior e usando uma incrível ferramenta que são os arquétipos de Jung.
Os Arquétipos de Jung
Carl Gustav Jung foi um psiquiatra, psicoterapeuta e fundador da psicologia analítica. Parceiro e posteriormente competidor de Freud, já que suas ideias não eram mais tão similares. Jung sempre acreditou que existe uma mente coletiva que une o conhecimento de todas as pessoas. E, com isso, após estudar os padrões de comportamento humano, imagens e símbolos, concebeu o conceito de arquétipos.
Uma figura arquetípica é uma imagem ou algo que represente uma ideia que pode ser entendida por todos. Assim como uma águia é o símbolo de liberdade, superioridade, solidão e visão, o leão traz a realeza e a imponência. Você pode saber mais sobre isso, estudando Carl Jung e a obra, que me baseio para esse artigo: O Herói e o Fora-da-Lei.
Dito isso, Margaret Mark desenvolveu 12 arquétipos que seguem os padrões de comportamento humano com base no estudo de Jung. Esses Arquétipos são maneiras de pensar, agir e de perceber o mundo. E pode trazer uma variabilidade interessante para aqueles que não querem jogar apenas com um guerreiro que ataca, pois querem mais do que apenas combate.
Claro que isso é opcional e vai depender da complexidade que quer criar seu personagem, seu nível e tempo de dedicação, e se faz sentido na sua mesa. Alías, sempre faz sentido, mas se for uma one-shot, por exemplo, é de pensar.
Os 12 arquétipos são:
- Mago
- Herói
- Fora-da-Lei
- Inocente
- Explorador
- Sábio
- Governante
- Criador
- Prestativo
- Amante
- Bobo da Corte
- Cara Comum
Vamos analisar cada um desses arquétipos para seu potencial personagem de RPG?
Mago
O Mago é um arquétipo que representa Transformação. Ele faz acontecer! O personagem mago é o cara que vai pegar um limão e fazer uma torta, um suco e até plantar uma árvore. O arquétipo do Mago, não a classe, tem como característica a sabedoria, o conhecimento e a transformação pessoal.
Se você escolher um personagem que use o arquétipo do Mago, você será um grande líder dentro do grupo. Um líder justo e igualitário, que são duas grandes características desse arquétipo. Além disso, seu personagem será inteligente e viverá na busca de conhecimento, sempre aprimorando suas habilidades e enriquecendo sua mente.
É um personagem que consegue ligar os pontos e encontrar soluções. Aliás, é focado em soluções, não liga para a origem dos problemas, quem é o culpado ou como tudo começou. O Mago busca uma solução prevendo um dia melhor à frente, não só para si, mas para todos.
O Mago evita batalhas e combates, mas não foge quando uma chega a ele. Porém, ele vive em uma batalha especial, a sua batalha interna de desenvolvimento pessoal. Ele se dedica ao seu autoconhecimento e coloca essa transformação frente à todo o resto. Dessa forma, acaba se tornando um personagem introspectivo e mais silencioso, falando apenas a coisa certa, na hora certa.
Um lado negativo desse arquétipo é a manipulação. Ele pode usar seu conhecimento e habilidade de persuasão para manipular inimigos (e amigos). Essa é uma sútil linha que o Mago deve se policiar (ou não, depende do conceito de personagem que criou.)
Herói
O arquétipo do Herói é um Guerreiro nato que tem uma chama interna poderosa para conquistar o que quer. Ao contrário do Mago que busca a interiorização, o Guerreiro já externaliza sua transformação. Pois, ele tem uma necessidade de provar o seu valor, para si mesmo e para os outros. Dessa forma, se coloca em competição o tempo todo e quer sempre testar os seus limites. Porém, lembre-se é para se autodesenvolver e autoprovar. Sabe aquele muro alto ou aquela porta pesada? Ele irá pular ou tentar derrubar para mostrar para si mesmo suas capacidades.
O herói é ego centrado, mas isso não quer dizer que ignora seus colegas. Você como jogador que escolheu esse arquétipo para seu personagem, saiba que você sentirá constantemente a necessidade de testar suas habilidades, rolar dados e entrar em combate, mas isso não significa que deixará seus amigos para trás e nem que será o único protagonista da história. Pois, o herói, sabe bem quando deve deixar seus colegas testarem suas habilidades também.
Seu mantra é: “me fortaleço com os desafios“.
Porém, o arquétipo do herói possui um lado sombra, ele se torna arrogante se só pensar em si mesmo. E, muitas vezes, o herói no lado sombra se torna um vilão. Cuidado!
Fora-da-Lei (ou Rebelde)
Um arquétipo poderoso é o Fora-da-Lei! Não, ele não é um ladino, mas é verdadeiramente um questionador da sociedade e das formas como as coisas são apresentadas. Muitas vezes ele é conhecido como o personagem que tem uma visão diferente da cultura e quer mudar o jogo. É um questionador nato.
Seus principais valores são liberdade e autonomia. Por isso, não será um personagem que se subjugará a um líder ou irá baixar a cabeça para o que enxerga como errado. Será um desafiador de Reis, Governantes e Líderes, seja político, governamental ou religioso. Ele é o personagem que falam: “Lá vem o Rebelde.”
Você pode atuar como um silencioso nobre de uma família que não gosta de injustiças sociais, um roqueiro em cyberpunk gritando pela sua ideologia, ou até mesmo sendo um paladino descrente das atitudes dos clérigos e querendo trazer justiça divina da maneira correta.
O importante é que você não será controlado ou manipulado pelo sistema, nem que isso lhe custe ficar sozinho ou se juntar com um pequeno grupo de pessoas inesperado.
Ahn, sim! Seu lado sombra é a Criminalidade, também conhecida como o jeito mais fácil de fazer o que quer. Rouba aqui, mata ali, tortura lá, fazendo tudo do jeito mais simples para mostrar a sua versão de mundo.
Inocente
O arquétipo do Inocente já traz uma ingenuidade e otimismo para o grupo. Se você criar um personagem que sempre verá o lado bom das coisas, que enfrenta o perigo com fé e acredita na vitória independente do desafio, não espere que ele siga a palavra “inocente” perfeitamente. Pois ele é otimista, não trouxa.
É um personagem que prezará pela pureza das coisas, quer o bem de todos e sempre será sincero e honeto, e esperará o mesmo das outras pessoas. Além disso, é um personagem que respeita a individualidade e características únicas de cada um.
Empolgado, sempre está pronto para uma aventura. Seja derrotar um grupo de ratos no porão ou destituir um rei de seu trono. No fundo ele sabe que irá conseguir, ele acredita!
Porém, ele acredita tanto que acredita em qualquer coisa. Por ser sincero e honesto, ele acredita primeiramente que todos são. Assim, é de fácil manipulação. Suas vulnerabilidades são a inexperiência e ingenuidade.
Explorador
Explorador é um arquétipo de autoconhecimento. Busca no mundo exterior o que vive no interior, pois muitas vezes quer entender e sentir, mas não encontra como expressar. Dessa forma, ele sai pelo mundo em busca de aventuras, conquistas e eventos para soltar o que há dentro de si.
Geralmente os Exploradores são individualistas e viajam solo. Porém, dentro do RPG ele precisa estar com o grupo. Assim, seu personagem terá uma aventura paralela rolando com a aventura central. Por exemplo, meu personagem BUG-URI 77, que era um robozinho, tinha uma coleção de pedras de todos os planetas que visitava. Em cada planeta ele tirava um tempo para buscar, negociar ou trocar pedrinhas. As pedrinhas preenchiam o vazio de uma lembrança de sua origem.
O personagem com arquétipo do Explorador sempre buscará por novos locais, pessoas e objetos. Sua vontade é buscar e conhecer o máximo de coisas possíveis. Dessa forma, alimentando seu mundo interno e permitindo-o descobrir a si mesmo através de cada experiência.
O lado sombra desse arquétipo é o individualismo, onde priorizará a sua jornada interior frente a todos os outros. Assim, podendo colocar amigos em risco para conseguir o que deseja.
Sábio
O arquétipo do Sábio é diferente do Mago. O Sábio é um mentor, professor, um estudante. É um personagem que prioriza a verdade frente à qualquer coisa. Seu objetivo é ajudar as pessoas a usarem sua inteligência é a conquistarem o que desejam.
Geralmente é um especialista sobre algum assunto e gosta de compartilhar muito sobre esse assunto. Por exemplo, em uma mesa de Cyberpunk eu tinha uma personagem que era tecnomédica, especialista na robótica, ela adorava ficar observando e descrevendo para o grupo o que ela observava.
O sábio tem essa vontade de ensinar, de passar para frente, de apresentar o que sabe. Não é um fazedor, mas sim um professor. Ele se dedica a ler a situação e a resolver os problemas junto com seus jogadores. Geralmente será o personagem que indicará o caminho, mas não será o primeiro a pisá-lo.
Governante
Quando falamos do arquétipo do Governante, imediatamente pensamos em um cargo de poder, não é mesmo? Pois é, o governante é uma pessoa com muita influência. Dizem que seu dilema é: “O poder não é tudo, é só o que importa.” Sendo assim, o personagem governante será ambicioso e buscará pelo grande poder na hierarquia daquilo que faz. Seja na área militar, corporativa, religiosa ou até mesmo dentro de gangues. O Governante usa de lábia, carisma e determinação para conseguir o que quer, e fazer as pessoas fazerem o que quer.
Apesar dessa característica, seu personagem não precisa ser um nobre ou alguém de alto cargo social. Você pode criar um personagem que está desejando esse crescimento, um personagem que quer ser grande e ter poder. Pois, o poder começa desde que você é pequeno. A Saíri, no livro O Último Arcanista, é uma mulher de poder dentro da sua gangue. O Concierge do Crime, em uma das minhas mesas de RPG de Cyberpunk, era um líder em ascensão no crime de toda a cidade (e era o personagem de um jogador), que na primeira oportunidade deu um tiro na cabeça do líder de uma corporação.
Um ponto interessante a se considerar quando pensamos no personagem com arquétipo Governante é que ele é extremamente responsável e consciente de sua responsabilidade e papel. Assim, nada lhe passa despercebido. Sabe que quando ele liderar o grupo para uma determinada solução, o grupo irá com ele e o que acontecer estará sob sua responsabilidade.
Criador
O arquétipo do criador está vinculado com a habilidade de criar. Assim, podendo ser um artífice, artesão, músico ou artista. O Criador é criativo e usa essa sua genialidade para encontrar soluções incomuns para os problemas diários. É um buscador constante de coisas novas, mas respeita muito a autenticidade.
O Criador acredita no poder da imaginação e das invenções. Sempre buscará criar algo para ajudar o grupo naquele momento. Dessa forma, em certos momentos, usará um descanso para criar algum artefato, compor uma música ou escrever uma poesia. Investirá em conhecer as pequenas lojas de uma cidade à procura de novidades e irá se deliciar com a criação dos outros, coletando inspiração para si mesmo.
O Criador é o cara que utiliza o ambiente no combate, pois com sua mentalidade ele irá encontrar saídas que vençam os inimigos mais rápido e de forma mais segura.
O desafio do criador é o apego. O apego às suas criações e invenções, se tornando até um ponto de vulnerabilidade interessante para criar o seu personagem, ter um objeto ou invenção que ele fica apegado e não pode perder ou ficar sem.
Outro ponto interessante de explorar, se estivermos falando da linha artística é a complexidade emocional ou sensibilidade, ambos trarão características verídicas e poderosas para seu personagem.
Prestativo
O arquétipo de personagem Prestativo tem uma forte inclinação a ajudar os outros. É o primeiro a dizer Sim para as aventuras e se jogar para ajudar quem precisa, mesmo que isso signifique alto risco para si. Se for convocado para ajudar em algo, fará isso, sem precisar pensar muito e, algumas vezes, nem exigirá recompensa, pois ter o prazer de ajudar já é a recompensa.
Ele é um personagem muito confiável, pois se diz que irá ajudar, irá fazê-lo. Além disso, é generoso e empático, buscando entender o lado do outro. Porém, algumas vezes se confunde com o Inocente, pois acabam aproveitando da boa vontade e empolgação do Prestativo para manipulá-lo.
O personagem Prestativo é o que une o grupo para todos tomarem uma decisão em conjunto e tentará agradar a todos, buscando o meio do caminho.
O desafio do prestativo é que muitas vezes ele abrirá mão de si mesmo, seus objetivos e felicidade pelos outros.
Amante
Ao pensar em amante já pensamos no Bardo. Porém, o amante é muito mais do que ficar flertando com a filha do taverneiro ou o filho do armeiro. O amante é um personagem que é apaixonado pela vida, que busca conexões verdadeiras e sua vulnerabilidade são as pessoas. Pois é por elas que vive e se molda.
O amante é o personagem quer irá apreciar boas experiências, comida, bebido e, sim, relacionamentos íntimos. Ele desfruta do momento presente, e neles até esquece da aventura atual. É o personagem que prefere ficar numa taverna se relacionado com todos ao invés de banhar uma espada para vencer os inimigos.
Apreciador da arte e da beleza, consegue se apresentar bem e até seduzir para chegar onde deseja. Lembre de colocar pontos em habilidades vinculados a carisma, por exemplo.
Buscará soluções fora do combate que possam gerar desejo e vontade no inimigo e, assim, fazendo-o mudar suas direções, desistir de um ataque ou abrir mão de seu plano maligno.
O amante se perde nas tentações e pode, como vulnerabilidade, ser facilmente seduzido por algum tipo específico de pessoa. Por exemplo, em uma das minhas mesas, eu tinha um personagem de jogador que era apaixonado por ruivas, o todo galã, despedaçou-se por dentro ao ver uma ruiva e se pôs-prontamente, numa excelente atuação do jogador, para fazer tudo o que ela quisesse na promessa de só ficar cada vez mais perto dela.
Bobo da Corte
O Bobo da Corte é o cara que quebra o clima. Se alguma situação está pesada, se a negociação está indo para onde não devia ou se há algum risco, ele irá soltar alguma piada, fazer alguma brincadeira para “aliviar a pressão”. Ele tem muita criatividade, senso de humor e traz muita espontaneidade para a mesa. Dessa forma, o Bobo da Corte não é apenas um personagem hilário, mas uma peça estratégica que pode mudar o rumo de conflitos e até distrair inimigos.
Esse arquétipo possui uma característica única de disposição para enfrentar riscos e experimentar coisas novas. Por exemplo, o Bobo da Corte, se apresenta frente a um rei e seus soldados, se for ruim nos dados, pode ser que ele perca a cabeça. Porém, para ele o foco está em tentar e ser bem-sucedido, mesmo assim. É o rei da arte do improviso.
Cara Comum
Não se engane com o Cara Comum. Ele representa a normalidade e o pertencimento. O personagem com arquétipo do Cara Comum quer que todos se sintam bem e pertencidos. É um personagem com rotinas estipuladas, até alguns maneirismos e são resilientes.
Seu objetivo é fazer parte de um grupo, pertencer e incentivar mais pessoas a fazerem o mesmo. São pessoas genuínas, que parecem não fazer muita diferença ao olhar para eles, mas ao observar sua história você verá um legado de positividade e coisas boas.
Interpretar o cara comum é deixar que outros tomem a liderança, faça suas pontuações e sempre defenda que todos devem estar juntos. Você pode ser a “cola” do grupo e convencerá a todos que devem andar juntos e tomarem decisões do mesmo jeito.
E aí? Com qual arquétipo você montará seu próximo personagem?
Agora que você já tem uma ideia dos doze arquétipos de Carl Jung, você tem uma visão que poderá te ajudar a criar o conceito do seu personagem. Ficando assim, mais fácil de detalhar outros pontos do seu personagem e até estipular a sua história de fundo.
Mas fica a pergunta: com qual arquétipo você fará seu próximo personagem de RPG? Quais detalhes irá ressaltar em sua atuação para trazê-lo à tona?