Usando o Story Circle de Dan Harmon para criar histórias épicas de RPG
Se você quer um RPG com tramas envolventes que deixem seus jogadores vidrados, você precisa conhecer o Story Circle de Dan Harmon. Ele que é co-criador de Rick and Morty, escritor, roteirista e também idealizador (e jogador) do RPG HarmonQuest. Dan, traz a sua versão da Jornada do Herói de Joseph Campbell na estrutura que ele usa para construir seus seriados e histórias, o Story Circle.
A aventura começa em tentar separar a Jornada do Heróis do Story Circle. Porém você verá que ele explica de uma forma um pouco mais sutil e diferente.
O Story Circle de Dan Harmon
O círculo é dividido em 8 etapas em 2 zonas principais: a Ordem e o Caos. Primeiramente, na Ordem, os personagens estão em um ambiente familiar e não há discussões ou desafios. Depois, os jogadores vivenciam o Caos, momentos de conflitos que testam as habilidades dos personagens.

Vou te explicar nesse texto, não somente o Story Circle, mas também como aplicar na sua aventura de RPG, deixando seus jogadores impactados e querendo MAIS. Assim como a gente ensina na Academia de Mestres de RPG da Nuckturp.
Ordem e Caos

Na teoria de Dan Harmon, de Joseph Campbell e até buscando similaridade com a vida, nós temos dois momentos importantes.
A Ordem é o momento que você está em um lugar familiar e não há nada desafiando sua integridade ou demandando um crescimento.
No Caos o momento é de desafios, de crescimento! Portanto é comum a gente entender a famosa frase – “mar calmo não faz bons marinheiros” – pois, é no calor da batalha que a gente forja bons soldados, não é mesmo?
Então Dan Harmon e Joseph Campbell se unem nesse conceito lembrando que nossa vida é um círculo e tudo acontece nesse ciclo de paz, ou ordem, seguido pelo caos e depois retorna para a ordem de foram melhorada. Faz sentido para você?
Estágio 1: Você ou o grupo!
A aventura começa com algo que explica a formação do grupo, seus motivadores e sua essência. O que o personagem tem de especial, o que ele faz no dia-a-dia? Também se pergunte o que faz o grupo ser especial? Portanto, se eles já se conheciam, o que eles fazem em sua rotina diária?
Nessa fase você pode dar as diretrizes iniciais para o grupo, contando como eles se conheceram ou conheciam antes, ou talvez deixe-os contar sobre seus personagens. Deixe surgir um pouco das histórias de fundo de seus personagens, pois seus jogadores trabalharam para escrever. Assim, você começa a estreitar os laços entre eles. Além disso, também pode pegar insights para aprimorar a trama na sua aventura, focando nos desafios pessoais de cada personagem.
Exemplo:
O grupo participa de uma guilda de heróis da região. Eles estão acostumados a derrotar pequenos infratores e até mesmo algumas pessoas que não respeitam a sociedade. São conhecidos por ajudar todos os líderes regionais e recentemente foram solicitados pelo grande líder local para uma grande missão, que retornaram cansados, mas felizes e estão nesse exato momento comemorando o retorno. Em sua mesa há um mini baú que pegaram na missão e eles estão prontos para abri-lo, mas cadê a chave?
Aqui você pode deixá-los abrir o baú juntos. Deixando eles interagirem, enquanto discutem a possível real história dessa missão. Percebe que esse é um momento de “pausa” entre as missões e esse é o estado normal dos personagens? Não há perigo ou conflito.
Com essa atitude, você está estabilizando o “normal” para os jogadores. Para eles entenderem quem são e como interagem entre si.
Estágio 2: Necessidade
Nesse estágio você começa a definir a história principal. Esse é o momento de trazer a sensação de que algo não está certo e os jogadores precisam identificar isso. Lembre que ainda não há conflito, somente o surgimento da necessidade de resolver algo maior.
Esse é um estágio muito importante, pois é aqui que os jogadores irão questionar o propósito da aventura. Portanto, como mestre você pode trazer algo valioso para esse momento que seja importante para todo o grupo.
Por exemplo em Senhor dos Anéis quando Gandalf resolve falar com o jovem amigo hobbit sobre as aventuras de seu tio. Ele começa a injetar na cabeça do pequenino a ideia de que o mundo é muito maior do que o seguro vilarejo.
Em nossa história:
A guilda pode ter diversos desfechos aqui:
- O baú não abre e eles precisam voltar no local para encontrar a chave.
- O baú abre e há uma magia que enfeitiça-os e eles precisam resolver.
- Abre-se o baú e um objeto que choca as pessoas na taverna é revelado.
- Com o baú aberto e eles festejando suas novas riquezas, um homem diz suas últimas palavras direcionadas ao grupo e morre logo em seguida.
- Alguém impede eles de abrirem o baú, pois esse irá revelar uma grande verdade e esse só pode ser aberto no lugar X.
Percebe a pluralidade de caminhos que podemos seguir? O interessante aqui é você trazer algo que mexa com o grupo como um todo, mas tentando trazer detalhes que também mexam com cada personagem.
Uma aventura sem motivação forte se perde no caminho e as aventuras laterais surgem, jamais completando a missão central. Portanto lembre que para os jogadores terem prazer na aventura, eles precisam ter a sensação de estar evoluindo em direção ao objetivo central.
Estágio 3: Vai!!!
Nesse tópico que é extremamente rápido, os jogadores e seus personagens devem ter a sensação de que o desafio à frente será difícil. Difícil o suficiente para vencer, porém não tão difícil para desistir ou deixar de lado. É uma tomada de consciência rápida, que irá fazê-los se empolgar pela aventura e logo começar.
Talvez eles tenham que pedir ajuda, preparar algo antes da aventura ou até mesmo buscar por pistas e informações.
Exemplo:
A guilda sabe que eles precisam ir para a cidade vizinha, que foi subjugada por um grande e malvado Orc Necromante. Porém, eles talvez descubram que é necessário uma magia especial para acabar com uma maldição ou que somente um outro necromante possa desfazer tudo, por um certo preço.
Lembre-se de colocar um fator temporal que amplifica o engajamento. Por exemplo, a cada dia alguém do vilarejo morre ou a maldição vai se espalhando.
Agora a aventura começa realmente e a gente atravessa o limiar da Ordem e entra no Caos.

Estágio 4: Busca
E os desafios da aventura começam! Aqui os jogadores iniciam uma jornada que irá testar seus limites e irão encontrar mais perguntas do que respostas. Mais problemas do que soluções.
Nesse estágio Dan Harmon coloca que as habilidades e caráter dos personagens precisam ser testados. E o grande segredo dele, é a sua habilidade de colocar “falhas” em seus personagens para que eles mesmos tomem decisões não convencionais.
Ser um aventureiro corajoso é fácil. Porém, tente ser um aventureiro que tem medo do escuro em uma caverna profunda.
Como mestre, coloque desafios que teste habilidades dos jogadores, use o fundo da história deles para tentar trazer os elementos que eles precisam.
Por exemplo: Na hora que eles acreditam que chegaram no local que encontraram seu tesouro, aquele lugar agora está em escombros como se algo muito grande tivesse passado por lá. Talvez o local esteja rodeado de cultistas e alguns barulhos diferente do normal começam a sair do local.
Percebe a riqueza de material que é possível criar para essa trama e que irá amplificar o desafio? Assim, a busca que seria só ir salvar uma donzela em perigo, pode trazer uma trama sobre o culto de uma criatura, talvez uma guilda que está corroendo em perigo ou o baú naquele lugar continha o surgimento de uma criatura, agora fora, libera o nascimento dela. Aí só você saberá o que é.
Percebe que a história começa a ficar mais rica? Uma simples busca se transformou numa jornada.
Estágio 5: Encontre
Esse estágio é uma pegadinha e pode chamar a sua criatividade para auxiliar nessa aventura como mestre de RPG. Pois nesse estágio o objetivo é mostrar para os jogadores que a saída que eles pensavam que era boa, não é mais. Assim, os jogadores terão que pensar em algo mais elaborado para vencer o desafio. E lembre-se, como a gente ensina na Academia de Mestres, você não precisa saber tudo, deixe que os jogadores te contem as soluções.
Portanto, seu grupo sofrerá uma decepção e até mesmo uma perda.
No exemplo:
Talvez eles tenham que abrir mão do mini baú e seu conteúdo. Mais profundo seria eles terem que abrir mão de algo pessoal, algo que está no fundo de história deles. Como exemplo, eles descobrem que o mini baú continha uma joia que segurava uma entidade amedrontadora e essa entidade corresponde ao medo de um ou dois personagens. Eles terão que abrir mão da joia e de sua reputação para proteger as outras vilas. Ou então, descubram que o líder necromante é um familiar de algum deles e assim por diante.
O desafio aqui é não deixar fácil, mas ao mesmo tempo explodir a cabeça dos jogadores através de surpresas.
Estágio 6: Pegar
Agora os jogadores estão de frente ao desafio verdadeiro, que foi revelado no estágio anterior. Assim, nesse estágio os personagens terão que evoluir ou agir de uma forma diferente para obter o que querem. Chegou a hora de, literalmente, pegar o que eles foram buscar.
O desafio será maior aqui! Te desafio como mestre, não ser maior em combate, mas maior em charadas, maior em decisão. Deixe-os sentir a emoção de tomar uma decisão. Salvar A ou salvar B? Qual será o dilema que terão que resolver?
Em nosso exemplo:
O líder necromante é uma pessoa querida de um dos jogadores e outros cultistas também estão relacionados aos demais personagens, quem sabe até a própria cidade são os cultistas que eles estão tentando salvar.
Dessa maneira os personagens terão que enfrentar em um combate verbal ou armado quem eles deveriam estar salvando, para salvar outras pessoas de algo pior, de algo que eles mesmos iniciaram ao tirar o baú de lá. Quem sabe, talvez, a pessoa que os convidou para a última missão, não esteja assistindo tudo isso de camarote?
Veja que plot twist, mas que deixa a trama mais interessante!
Lembre-se: os jogadores amam mestres que desafiam suas capacidades de tomar decisões!
Estágio 7: Retorno
Dan Harmon nesse momento sugere que algo não tenha dado certo, que a premissa da necessidade inicial não foi atingida. O desafio que foi proposto nos estágios 2 e 3 teve uma revelação diferente. Lembro de uma mesa de Cyberpunk 2020 que eu mestrei que os jogadores ficaram insanos quando perceberam que eles estavam atrás de um assassino, porém eles estavam matando para encontrar o assassino. Isso transformou os personagens!
Exemplo:
Os personagens retornam para a Taverna, agora mais vazia. Eles celebram entre si e conversam com o taverneiro que questiona sobre a aventura e o que aconteceu. Ele conta a história de que muitos de seus fregueses não vieram e até sumiram. Tentando até convocá-los para essa busca.
Estágio 8: Mudança
Aqui os personagens já não são os mesmos que saíram. Eles podem ter evoluído como o tradicional ganho de XP (ponto de experiência) ou, o que mais gosto, evoluíram em caráter e comportamento. Assim, em um novo nível de maturidade e em um ambiente um pouco diferente da saída, os personagens voltam aos seus afazeres rotineiros.
Aqui você pode dar a liberdade para eles de ação. Porém, algumas saídas legais são:
- Os personagens retornam para sua famílias, como foi, o que eles fazem? Deixe os jogadores contarem essas histórias.
- Que tal uma atividade em grupo, que não interfere nas missões, mas pode deixar os jogadores descansando? Dá uma olhada nesse post do Instagram.
- Os personagens apenas descansam, com o que eles sonharam?
- Talvez eles viagem para uma cidade próxima…
Nesse estágio, você pode deixar os jogadores sentirem mais seus personagens, pois não estão em hora de caos. No momento de Ordem, eles percebem seus personagens com mais facilidade. No momento de Caos é mais sobre estratégia e reflexos para mantê-los no caminho certo do game.

Dan Harmon e o Story Circle no RPG
Como você viu esse estilo do Dan Harmon é bem fácil de aplicar na escrita de uma história, mas possui alguns desafios para o RPG. Portanto, seu desafio é conseguir montar uma trama que vai do começo ao fim passando pelos oito estágios desse incrível escritor.
Para conseguir aprofundar, você pode ajudar seus jogadores a criarem um bom fundo de história com esse post ou com esse documento aqui.
Se você curtiu esse post e as dicas, me deixa saber nos comentários para eu preparar mais conteúdo como esse para você! Grande abraço.