Contos

Círculo de Sangue – Cascata de Estrelas

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Capítulo 10

Círculo de Sangue


Era como uma sala de uma caverna, alta e extensa, muito bem iluminada pela quantidade de velas acesas ao redor de um grande círculo. Um círculo avermelhado, desenhado no chão de pedra fria com vários símbolos, mas muitos deles faltando também. Algo se colocava bem no meio, emanando uma luz fraca e uma movimentação suspeita. Uma roda de figuras encapuzadas se ajoelhavam ao redor do desenho recitando algo num ritmo constante como se chamassem alguma coisa.

“Muv’khan. Meihn velm. Bhrain nhuheiv. Muv’khan. Meihn velm. Bhrain nhuheiv. Muv’khan. Meihn velm. Bhrain nhuheiv…”

– Alguém entende o que eles estão falando? – Lea sussurrou entre a gente.

– Nunca ouvi isso antes… – Arthur encarava a cena como se não o espantasse, mas o colocasse em cautela.

– Parece… Um ritual.

“Um ritual”. Saiu da minha boca quase puxando o músculo da minha bochecha para um sorriso de desdém. Nem eu mesmo acreditava no que estava falando ou vendo, mas Arthur e Lea estavam comigo. Eles também eram prova de que eu não estava delirando. Ou, se estava, não estava sozinho. As palavras se repetiram algumas vezes enquanto observávamos até a porta atrás de nós ranger devagar e se fechar de uma vez. Nos entreolhávamos com a certeza de que não tinha para onde ir. Lea foi a mais corajosa de todos nós:

– Ei! Vocês aí! – ela se levantou me usando de apoio – Quem diabos são vocês? O que tá acontecendo aqui? Ein?

– Lea… – Arthur a censurava baixinho puxando-a de volta para o chão – Quem vai estar no meio daquele círculo logo seremos nós se você não tiver bom senso!

– Não… Ela tá certa, olha. – cochichei para ele apontando os encapuzados.

Olhando com atenção, não pareciam mais do que um manto jogado em cima de uma vareta. Devagar, todos nos levantamos e fomos caminhando na direção deles. Arthur encostou no primeiro que viu e vimos a estrutura se desmanchar em tecido e pó. Num olhar retorcido, ele segurou aquele pano nas mãos o colocando contra a luz e o apontou para nós logo em seguida.

– Eu já vi isso. Quando desamarrei a garota no hall, ela estava amarrada com pedaços disso… Mas não era bem dessa cor.

– As paredes do meu quarto são dessa cor… – nos aproximamos e eu consegui ver o verde bem escuro refletido num brilho como de seda – Eu achava elas peculiares, mas ver tão iguais a um pedaço de pano chega a ser estranho.

– Mais estranho do que tudo isso? – Lea olhou ao redor.

– Você entendeu, vai.

– Sim, foi só… Enfim, quando fizemos o tour, deu para perceber que todos os quartos tinham a decoração diferente, mas isso não quer dizer que temos algo a ver com isso, não é? – ela aponta de volta para o círculo.

Arthur anda com cautela por cima do desenho para checar o que está lá no meio enquanto eu e Lea verificamos os outros mantos distribuídos pela sala. Lea reconheceu a cor de um deles assim como eu. Arthur encontrou sua própria cor, eventualmente. Foi num pulo que seguramos a cor que ele dizia ser referente da tal Dalyla e, não em pó, mas um esqueleto com restos presos nele estatelou no chão tirando um berro da garganta de Lea.

– Chega disso, por favor, eu não aguento mais! – ela dizia com lágrimas nos olhos agarrada nas minhas roupas – Vamos achar uma saída, por favor, POR FAVOR!

– Lea, se acalme… – Arthur falava mais alto do centro do “altar” – Ainda não acabou. Venham aqui.

– Não sei se eu estou disposto… – respondi andando hesitante na direção dele – Eu também estou cansado e isso aí não parece estar nas melhores condições.

Poucos passos, eu já conseguia ver que não era uma coisa, mas sim alguém. Dilacerado. Aberto. As mesmas roupas do corredor. Ah, Olivia… Não conseguia ver seu rosto, seus cabelos, porque já não havia algum. Na verdade, não tinha nem cabeça. O peito estava aberto, as costelas quebradas separadas do externo expondo o coração que batia. E brilhava. Mas já estava fraco e morria aos poucos em nossa presença. Nossa respiração acompanhava a palpitação que se apagou pouco tempo depois.

Não existiam mais palavras. Se aceitávamos uma oportunidade de fugir dos temores de Londres, só nos colocávamos num novo, muito pior. Não tínhamos tempo de tomar fôlego para o que quer que fosse nos acometer em seguida e sempre estávamos um passo mais perto de enfrentar algo tão frio e até mais amargo do que a morte. Nesse momento, não foi diferente.            

Encarando as partes nos nossos pés, foi de súbito que percebemos… água. Um fio de água que aumentava gradativamente até cobrir as solas do nossos sapatos. Até lavar o sangue do chão. Até começar a nos causar desespero quando já estava quase batendo em nossos joelhos.


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