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Jogos: fuga da realidade ou portal para novas descobertas?

Você já parou para refletir sobre por que passa horas imerso em mundos virtuais ou imaginários? Essa pergunta pode parecer simples, mas esconde uma verdade profunda que poucos mestres e jogadores se permitem explorar. Como mestre e jogador de RPG, além de jogador assíduo de jogos de PC, percebi algo fascinante: existe uma linha tênue entre usar jogos como ferramenta de diversão (e talvez crescimento pessoal) e transformá-los em refúgio permanente da vida real.

A psiquiatra Dra. Lílian Félix, em seus estudos sobre jogos eletrônicos, tocou em um ponto crucial quando disse que “chega uma fase que este caminho se torna uma fuga“. Essa observação me fez refletir profundamente sobre nossa relação com os jogos. Será que estamos jogando para descobrir novas possibilidades ou apenas para evitar enfrentar nossos desafios cotidianos?

Dessa forma, neste texto trago reflexão sobre a origem dos jogos, as diferenças fundamentais entre RPGs e outros gêneros, os benefícios transformadores e os riscos ocultos dessa prática, e você descobrirá como distinguir entre o uso saudável e prejudicial dos jogos em sua vida.

O que são jogos e de onde viemos?

Os jogos não nasceram com a tecnologia. Como a Dra. Lílian Félix menciona em referência ao trabalho de Johan Huizinga, somos literalmente “Homo Ludens”. Somos seres que jogam por natureza. Antes mesmo de desenvolvermos a linguagem complexa, já brincávamos e criávamos regras entre nós.

Nós, como espécie, jogamos porque isso nos ensina a navegar pela vida de forma segura. Quando uma criança brinca de “faz de conta”, ela está na verdade testando cenários futuros. Quando competimos, desenvolvemos estratégias que aplicaremos em situações reais. Os jogos sempre foram laboratórios de experiências humanas.

Contudo, existe uma diferença fundamental entre os tipos de jogos que praticamos hoje. RPGs nos convidam a assumir personalidades diferentes, explorar dilemas morais e desenvolver narrativas colaborativas. Já os jogos de plataforma, ação ou estratégia focam mais em reflexos, coordenação motora e tomada de decisões rápidas.

Essa distinção é crucial porque determina que tipo de crescimento pessoal cada modalidade pode oferecer. Sim, aqui a gente joga para se divertir e se desenvolver!

Os benefícios transformadores dos jogos

Desenvolvimento cognitivo e criatividade

Os jogos melhoram nosso pensamento, capacidade de raciocínio lógico e velocidade de resposta. Não é verdade? Vejo constantemente jogadores desenvolvendo habilidades que transcendem a mesa de jogo, seja no RPG ou em jogos eletrônicos.

Você provavelmente já experimentou aquele momento em que precisa resolver um problema complexo no trabalho e, de repente, aplica uma estratégia que aprendeu em algum jogo. Você se lembra de alguma situação assim? Isso acontece porque jogos nos forçam a pensar fora da caixa, considerando múltiplas variáveis simultaneamente.

Nos RPGs especificamente, a criatividade se expande de forma exponencial. Quando você interpreta um personagem, está exercitando empatia, improvisação e narrativa. Essas competências se traduzem diretamente em melhor comunicação, liderança e resolução de conflitos na vida real.

E posso dizer que muito do que uso hoje no trabalho eu trouxe do RPG. Desde controle de grupo, construção de narrativa e pensamento crítico.

Socialização autêntica e trabalho colaborativo

Aqui encontramos um dos pontos mais poderosos dos jogos. A Dra. Lílian Félix menciona como “jogos fazem os jovens se comunicarem, se abrirem e conhecerem pessoas novas“. Porém, quero ir além dessa observação.

Jogos criam um ambiente seguro para pessoas introvertidas ou com dificuldades sociais se expressarem. Na mesa de RPG, um tímido pode interpretar um bárbaro corajoso, experimentando comportamentos que normalmente evitaria. Essa prática gradualmente constrói confiança para situações sociais reais.

Além disso, jogos cooperativos ensinam algo que nossa sociedade competitiva muitas vezes esquece: vencer junto é mais gratificante que vencer sozinho. Essa lição se torna fundamental em relacionamentos pessoais e ambientes profissionais colaborativos.

Laboratório de consequências e crescimento moral

Este benefício raramente é discutido, mas considero um dos mais valiosos. Jogos nos permitem explorar consequências de nossas escolhas sem sofrer os impactos reais. Você pode testar diferentes abordagens éticas, experimentar liderança ou aprender a seguir um líder, e aprender com erros em um ambiente controlado.

Jogos podem servir como ambiente de teste e experimentação, preparando-nos para desafios reais. Essa é uma das razões pelas quais acredito firmemente no poder transformador dos RPGs.

Os riscos ocultos que precisamos reconhecer

Quando jogar se torna fugir

A observação mais penetrante da Dra. Lílian Félix foi identificar quando o jogo deixa de ser diversão para se tornar fuga. Já presenciei isso diversas vezes: jogadores que usam mundos fantásticos para evitar resolver problemas reais. E posso falar a verdade? Eu mesmo! Eu mesmo, muitas vezes me deparei com problemas e desafios que fugi para as telas para amortecer emoções. Jogar gera conquista rápida, dopamina e isso me deixava mais feliz ao invés de resolver o que precisava ser feito.

Por isso, gosto de enfatizar que o sinal de alerta surge quando você percebe que está jogando não porque quer explorar algo novo, mas porque não consegue enfrentar algo específico na vida real. Nesse momento, o jogo deixa de ser ferramenta de diversão e se torna muleta emocional.

Essa distinção é fundamental porque determina se os jogos estão adicionando valor à sua vida ou subtraindo energia que deveria ser investida na vida real.

Vício e suas manifestações sutis

Você já se pegou pensando obsessivamente em estratégias de jogo durante atividades importantes? Ou sentindo irritabilidade quando interrompido durante uma sessão? Esses podem ser sinais precoces de que os jogos estão assumindo um espaço desproporcional em sua vida mental.

Diferente do que muitos pensam, o vício não se manifesta apenas pelo tempo gasto jogando, mas pela qualidade da atenção que dedicamos a outras áreas da vida quando não estamos jogando.

Aí te convido a ler o texto da Dra. Lílian sobre benefícios e malefícios dos jogos.

Impactos físicos e sociais negligenciados

Além da saúde mental, problemas posturais e sedentarismo são consequências diretas do excesso de tempo em telas. Porém, existe um impacto social menos óbvio mas igualmente prejudicial.

Quando jogos se tornam nossa principal forma de socialização, podemos desenvolver dependência dessa mediação tecnológica para nos relacionarmos. Isso gradualmente reduz nossa capacidade de criar conexões genuínas fora do ambiente de jogo. E aproveito para estender para Whatsapp, Instagram e outras formas de comunicação.

Nós precisamos manter o equilíbrio entre conexões mediadas por jogos e relacionamentos diretos, face a face, para desenvolver inteligência emocional completa.

Construindo uma relação consciente com os jogos

Nossa jornada pelos mundos virtuais e imaginários deve ser sempre consciente e intencional. Aprendi que a pergunta não é “quanto tempo devo jogar?”, mas “que tipo de pessoa estou me tornando através dos jogos?”.

Por isso, acredito que precisamos ir além do controle e buscar a consciência. Isso significa questionar regularmente nossas motivações para jogar, avaliar se estamos crescendo através dessa prática e manter o equilíbrio entre mundos virtuais e o real.

Jogos podem ser portais para novas descobertas sobre nós mesmos e ferramentas poderosas de desenvolvimento pessoal. Contudo, eles também podem se tornar prisões douradas que nos impedem de enfrentar desafios necessários para nossa evolução.

A escolha entre usar jogos como fuga ou como exploração está sempre em nossas mãos. Nós temos o poder de transformar cada sessão de jogo em uma oportunidade de crescimento, desde que mantenhamos a consciência sobre nossos objetivos e motivações.

Cabe a cada um de nós decidir: vamos usar os jogos para nos esconder do mundo ou para nos prepararmos melhor para ele?